Nobel de Literatura fala sobre sua visão de censura em Porto Alegre
Sul-Africano J.M. Coetzee palestrou e autografou livros durante duas horas no Salão de Atos da Ufrgs
O escritor sul-africano J. M. Coetzee, Prêmio Nobel de Literatura de 2003, falou sobre censura durante uma hora e autografou outra hora inteira algumas de suas obras lançadas no Brasil como "Desonra", "Verão" e "A Infância de Jesus", diante de um Salão de Atos da Ufrgs com metade de sua lotação, nesta quinta-feira. Coetzee falou como convidado especial da Difusão Cultural e do Núcleo Filosofia-Literatura-Arte da Ufrgs, sendo apresentado pela ensaísta e professora Kathrin Rosenfield, especialista em sua obra.
O tema da censura é retomado constantemente em sua obra e a ele o autor dedicou um livro de ensaios ("Giving Offense", de 1996). Morando atualmente na Austrália, onde leciona na Universidade de Adelaide, Coetzee destacou que na palestra queria retomar a censura nos anos 70 e 80 na África do Sul. O seu primeiro romance "Dusklands" foi publicado em 1974. O Nobel lembrou que teve acesso a relatórios de censura de três dos seus livros "No Coração do País", "À Espera dos Bárbaros" e "Vida e Obra de Michael K", que chegaram a suas mãos por parte de Herman Winterberg, quando o poder político passou para o governo popular na África do Sul.
"Os meus livros foram todos publicados e os censores alegavam nos seus relatórios que o livro não podia ser considerado 'indesejável', pois quando falava de tortura ou brutalidade (como é o caso de à Espera dos Bárbaros) o simbolismo era universal e era lido por leitores sofisticados, intelectuais", avaliou.
Depois de um tempo, Coetzee acabou conhecendo alguns deles que eram professores aposentados da Universidade da Cidade do Cabo, onde Coetzee nasceu, e conviviam normalmente em sociedade. "Estas pessoas acabavam não achando estranho ter relações cordiais comigo. Estes censores pensam em si como pessoas civilizadas", ressaltou, citando o exemplo do czar Nicolau I, que se ofereceu para ser o censor pessoal de Aleksander Púshkin, para protegê-lo da análise de funcionários ordinários do czarismo.
Segundo Coetzee, eles não queriam livros que incitassem as massas ou que reproduzissem a propaganda comunista ou o pensamento de Karl Marx. "Queria entender porque eu recebi um tratamento especial. Primeiro porque sou branco, mesmo que não um afrikaner puro. Segundo porque vim da inteligentsia, a mesma classe dos censores. Terceiro que meus livros não eram populares e nem para as massas. Quando eles negaram a publicação de um livro ou o consideraram um objeto indesejado acabaram reproduzindo o mesmo sentimento totalitário de outros regimes ao longo da história. Hoje fizemos algum progresso em relação àquela época, mas é importante alertarmos ainda os países que vivem sob censura", finalizou.
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