quinta-feira, 1 de agosto de 2013

* Autor de importantes livros sobre ciência mostra que tudo é formado por informação


por Alexandre Matias

Editora Globo
A bibliografia do jornalista e escritor norte-americano James Gleick já contava com obras de fôlego, como seu primeiro livro Caos — A Criação de uma Nova Ciência (1987), sobre a teoria do caos, e as biografias que escreveu sobre mestres da física como Richard Feynman (Feynman — A Natureza do Gênio, de 1992) e Isaac Newton (Isaac Newton — Uma Biografia, de 2003). Mas com A Informação — Uma História, Uma Teoria, Uma Enxurrada (Cia das Letras, R$ 59,90), lançado em 2011 e que só agora chega ao Brasil pela Companhia das Letras, o escritor dá um salto ainda maior em abrangência ao explicar que a base do Universo é o bit de informação. “Somos processadores de informação”, crava o escritor, em entrevista por telefone. • Alexandre Matias

Quando você notou que o tema “informação” daria um livro?
Ao pesquisar para fazer meu primeiro livro, Caos, descobri esta ciência chamada Teoria da Informação, criada por Claude Shannon, sem chamá-la assim, em 1948. Lembro ter visto seu livro A Teoria Matemática da Comunicação, que nunca saiu de catálogo, ainda naquela época, mas não me aprofundei. Os anos se passaram e vimos as drásticas mudanças que ocorreram. E, a partir daquela descoberta, sempre soube que sob todas aquelas mudanças havia uma ciência não muito conhecida chamada Teoria da Informação. Havia uma conexão entre uma área da ciência tão obscura e a extremamente dramática e óbvia revolução da informação pela qual estamos passando. Foi quando percebi que poderia organizar isso tudo em um livro. Queria contar apenas a história toda, desde o começo.

Uma tarefa tão ambiciosa quanto megalomaníaca.
Sim, uma tarefa impossível, como se fosse contar a história do mundo. Mas sempre achei que houvesse um tema, que daria coerência ou que funcionasse como um fio da meada para esta história tão complicada.

O subtítulo do livro dá a entender que ele pode ser encarado como três livros.
Sempre soube que este meu livro se chamaria apenas A Informação, só no final do processo é que o subtítulo apareceu. Não havia percebido que estava trabalhando num livro de três partes e essas três partes — a história, a teoria e a enxurrada — vêm todas ao mesmo tempo. E, sim, há três livros em um só volume, embora a divisão não seja clara.

Na parte histórica, um dos grandes méritos do livro é o reconhecimento de figuras que foram esquecidas pela história.
Duas delas, Charles Babbage e Ada Lovelace, surgiram na Inglaterra vitoriana. Algo peculiar sobre sua importância é que, por muito tempo, eles foram esquecidos. Babbage foi bem conhecido em seu próprio tempo, na Inglaterra. Mas logo depois ele sumiu da consciência das pessoas. Se você perguntasse para alguém, nos anos 1930, por exemplo, quem era Charles Babbage, acho que ninguém teria ouvido falar dele, mesmo em seu país. Com Ada Lovelace era pior, você teria de ser um estudioso sério de poesia inglesa para saber que Lord Byron teve uma filha e mesmo assim era pouco provável que alguém soubesse que ela era matemática.

Os dois foram redescobertos em nossa época por cientistas da computação — e mesmo hoje não dá para saber quem foi o responsável por desenterrar seu trabalho de bibliotecas e perceber que o que estava sendo feito nos anos 1950 na área de computação havia sido imaginado anteriormente, com muito detalhe e criatividade, por Babbage e Lovelace. E isso é muito excitante. Estas idéias nunca deixaram a consciência mundial, mesmo que a grande máquina de calcular idealizada por Babbage tenha sido um fracasso. Tentei entender suas motivações e acho que ele tentava estabelecer uma conexão entre o mundo abstrato dos números e o mundo físico das máquinas. Só isso já era algo emocionante: máquinas podem manipular não apenas tecidos e metais, mas também coisas de natureza mental. É uma ideia muito poderosa que nos fez viver no mundo que vivemos hoje. E é aí que a Ada torna-se uma figura tão importante nessa história, pois enquanto Babbage só pensava em termos de números, ela entendeu melhor do que ele que a informação é algo mais geral — se uma máquina pode manipular números, pode fazê-la manipular palavras e linguagens também.

O livro também cita exemplos de que não é a primeira vez que nos sentimos inundados por informação - você cita que, quando livros deixaram de ser novidade e aos poucos viraram um mercado, muitos diziam que era impossível ler tanto e que isso emburreceria a civilização. Mas ao mesmo tempo, estamos vivendo uma época única em respeito à velocidade e ao volume de informação.
Tentei escrever justamente para que parecesse contraditório. Por um lado, sentimos que nosso tempo não parece com nenhum outro que veio anteriormente. Afinal, no mundo em que vivemos hoje, todos estão conectados eletronicamente por todo o planeta, de forma instantânea, na velocidade da luz, e que podemos ver imagens do que está acontecendo exatamente agora no sudeste da Ásia – sem contar o fato de estarmos tendo esta conversa, mesmo a milhas de distância. Ao mesmo tempo, todos nós podemos ter acesso a todo o conhecimento do mundo ao acionar um aparelho de nossos bolsos. Tudo isso é genuinamente novo e nós só podemos supor o que poderá acontecer com a espécie humana a partir disso.

E o que torna esta afirmação contraditória é que as pessoas sempre sentiram isso, por várias vezes, em toda a história. E toda nova tecnologia da informação trouxe junto um coro de reclamações, medo e ansiedade que é muito parecida com a que vivemos hoje. E à medida em que fui escrevendo o livro, sabia que ele iria terminar na enxurrada de informações a que somos submetidos hoje, afogados em informação.

Mas sabia que iria repetir as previsões loucas do século 17 quando, depois da criação da impressora de tipos móveis, as pessoas temiam por uma terrível enxurrada de livros, que seria tão drástica que faria a humanidade retornar à barbárie, pois não haveria forma de acompanhar tanto conhecimento que, de repente, começava a ser impresso.

A forma que se fala que a internet irá aniquilar o tempo e o espaço é parecida com a forma como o telégrafo foi recebido ao ser criado. E realmente há conexões entre todas estas tecnologias de informação - não é só uma coincidência.

Isso tudo me levou a três considerações. Primeiro, já vimos isso acontecer e é importante termos isso em mente. Segundo, que é realmente diferente desta vez. E terceiro que não dá para imaginar como as pessoas daqui a 50 anos verão a época em que vivemos agora. Acho que isso é impossível de imaginar.

A compreensão da natureza da informação vai para além da área das comunicações e explica, inclusive, nossa biologia.
Com certeza. Pensar o mundo em termos de informação abriu nossos olhos e nos ajudou a entender o que somos como criaturas biológicas. Não há dúvida sobre isso: somos processadores de informação. Nosso sistema nervoso é responsável por mandar mensagens por todo o nosso corpo - e não apenas o sistema nervoso, que é um sistema de fios elétricos, mas também nossos hormônios e outros sinais químicos que são foram percebidos por muitos biólogos como sendo apenas informação. Isso só foi possível entender depois que o telégrafo foi inventado, ele funcionou como uma metáfora para nosso próprio funcionamento.

Mesmo num nível genético, somos feitos de informação. Quando falamos do código genético, isso não é uma metáfora, é literal. O DNA é um código, um alfabeto formado por quatro letras que codifica informações sobre como criar um novo organismo. Até os biólogos entenderem isso seria impossível para eles descobrirem, ou melhor, criarem a linguagem genética.

A grande revolução genética aconteceu nos anos 1950 e 1960, e não ocorreu apenas pela evolução da química ou pela criação de grandes microscópios eletrônicos, que nos permitiu ver a famosa hélice dupla, e sim o entendimento dos processos que estão na base de nossa biologia.

E você acha que em algum momento podemos nos fundir com as máquinas que criamos? O Google Glass, por exemplo, seria o próximo passo rumo à tal singularidade?
Fala-se muito sobre singularidade e acho que boa parte do que é dito é meio bobo, mas de certa forma esta singularidade já aconteceu. Eu não acho que iremos nos fundir como um só organismo com os Borgs (uma entidade coletiva do universo de Jornada nas Estrelas), mas acredito que já podemos nos ver como já somos criaturas mais complexas quando levamos em conta as máquinas e a tecnologia que ampliam nossas habilidades humanas. E é claro que o Google Glass é um dispositivo protético, da mesma forma que o celular que carregamos no bolso também é. Se você parar para pensar, até a escrita é uma tecnologia inventada para ampliar nossas capacidades mentais, como os muitos dispositivos que agregamos ao nosso corpo. Nós já somos híbridos e estamos felizes em nos conectar com o mundo eletrônico.

Dá para ser otimista imaginando este futuro?
Eu tendo a ser otimista pessoalmente, mas não posso defender isso. É mais uma questão de humor. Claro que há muitas coisas que nós precisamos temer e nos preocupar, não acho que seja saudável achar que tudo será ótimo e que a tecnologia irá resolver todos nossos problemas. Não acredito nisso, temos que estar alerta e temos o direito de termos medo e nos preocupar com o fato de estarmos cada vez mais distraídos, sobre perder a habilidade de nos concentrar, devemos nos vigiar se estivermos fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e nos esquecermos de prestar atenção naquilo que é próximo da gente, no mundo físico. Mas acho que se fizermos isso, se formos cuidadosos, os desafios que teremos a seguir não serão tão diferentes dos desafios que vimos antes. Portanto, sim, sou um otimista.

E você pode antecipar qual é o assunto de seu próximo livro?
Eu só posso dizer brevemente que comecei a escrever um livro sobre viagens no tempo. Sobre a história da viagem no tempo. Acho que levarei alguns anos para concluí-lo. 

domingo, 28 de julho de 2013

* Apesar das barreiras jurídicas no Brasil, biografias ganham espaço

Lei protege a privacidade acima de tudo e quem se aventura pela empreitada corre o risco de nem ver o livro publicado

Publicação: 28/07/2013 15:11 Atualização: 28/07/2013 15:16

Escrever biografia no Brasil é uma tarefa hercúlea. Especialmente se o biografado ainda estiver vivo. A lei protege a privacidade acima de tudo e quem se aventura pela empreitada corre o risco de nem ver o livro publicado. A biografia Roberto Carlos em detalhes, de Paulo César Araújo, foi retirada das prateleiras quando já estava sendo comercializada e Sinfonia de Minas Gerais — a vida e a literatura de Guimarães Rosa, de Alaor Barbosa, também foi embargada. Para profissionais dos mercados editoriais europeu e norte-americano, o cenário brasileiro é surreal. Por lá, felizmente, as leis são outras. Assim, é possível alimentar um mercado de muitos leitores e aprofundar a pesquisa sobre figuras que ajudam a entender melhor a história do homem. O Diversão&Arte selecionou seis biografias que foram lançadas nos últimos dois meses. Cinco são estrangeiras e retratam personagens históricos. Uma é brasileira e trata de uma figura contemporânea e ainda atuante.
Dirceu, a biografia 
De Otávio Cabral. Record,364. páginas. R$ 39,90.

Uma editora portuguesa ficou assustada quando descobriu que, no Brasil, publicar uma biografia pode gerar uma legião sem-fim de processos e até a suspensão da venda do livro. Quando foi apresentada ao projeto do jornalista Otávio Cabral de escrever um livro sobre José Dirceu, ela topou. Mais tarde, a editora desistiu de publicar por temer os possíveis processos. E o livro saiu pela Record. Conhecido por não falar com a imprensa, o ex-ministro não quis encontrar o biógrafo, mas até agora não articulou nenhum movimento para impedir a circulação da obra. “E embora não tenha participado do livro, em nenhum momento, ele tentou impedir que as pessoas falassem comigo”, conta Cabral, que é editor da Veja. Foram seis meses e 63 entrevistas para escrever o livro. Por ser protagonista de escândalos e momentos políticos recentes, Dirceu é observado de perto e a biografia de Cabral gerou leitura imediata. As críticas também são rápidas. A jornalista Mônica Bergamo acusou o colega de ter passado informações erradas sobre um encontro com Dirceu. Bergamo foi à casa do ex-ministro na noite em que ele deveria ter sido preso. A visita teria sido feita a convite, segundo Carbal. Mas Bergamo diz que foi uma obrigação profissional procurar Dirceu, às 5h da manhã. “Fiquei muito mais satisfeito com os elogios, que vieram de pessoas isentas, do que com as críticas, que vieram de pessoas próximas a ele e até que trabalham com ele”, explica o autor. A imparcialidade de Cabral é um dos pontos elogiados pela crítica, um tom que ele acredita ser a chave para a credibilidade da biografia. “Quanto mais isento e baseado em documentos, mais credibilidade tem o trabalho.”
Sangue e champanhe —A vida de Robert Capa 
De Alex Kershaw. Tradução: Clóvis Marques. Record, 350 páginas. R$ 42,90

O britânico Alex Kershaw sempre se pergunta se assistia a muitos filme sobre a Segunda Guerra quando garoto. Ele gosta do tema. Escreveu três livros sobre o período, inclusive Sangue e champanhe, que narra a vida do fotógrafo mais famoso da guerra mundial e chega às livrarias brasileiras 11 anos depois de ter sido publicado nos Estados Unidos. Capa foi, literalmente, um homem que se inventou. Nascido húngaro e batizado de André Friedmann,  adotou o pseudônimo como estratégia de marketing para vender as fotos e tratou de passar a vida cobrindo conflitos. Os registros mais importantes da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra vieram das lentes de Capa. Acompanhando a primeira leva de americanos que desembarcou na Normandia em 1944, ele viu de perto a violência de um massacre. Suas poucas imagens — boa parte acabou perdida por conta de um erro do laboratorista na revelação — foram tudo que restou daqueles momentos dramáticos. Kershaw fez questão de mostrar essas fotos a cada um dos veteranos entrevistados para o livro. Para escrever a biografia, o autor teve acesso a arquivos secretos soviéticos do FBI e gerou muita polêmica ao questionar a autenticidade da foto do soldado caído, a imagem mais conhecida da obra de Robert Capa. “Era uma biografia não autorizada, então tive que lutar muito pelos fatos”, conta o autor, especializado em Segunda Guerra. “Tudo que eu amo e valorizo está em jogo quando se trata de Segunda Guerra. E eu amo a música, a moda, o drama, o heroísmo desse período. Era um tempo no qual se podia ver claramente o certo e o errado e, pelo menos uma vez, as pessoas que arriscaram tudo ganharam um futuro melhor.”
A filha do Papa
De Caroline P. Murphy. Tradução: Laura Rumchinsky. Record, 476 páginas. R$ 59,90.

Não foram só os Bórgias que ficaram para a história do Vaticano. Outro papa, além de Alexandre VI, viu um de seus filhos ascender política e socialmente. Uma filha, na verdade. Felícia nasceu ilegítima. Seu pai, Giuliano della Rovere, era cardeal na época em que concebeu a menina. Sucedeu o papa Sisto IV e se tornou Julio II. Felícia, por sua vez, não tinha nada de comum para uma mulher do Renascimento. Enérgica, voluntariosa e empreendedora, ela acabou por desfrutar de um trânsito incomum no Vaticano, prestígio que a britânica Caroline Muprhy credita mais ao temperamento da personagem do que ao fato de ser filha de um papa. Felícia recusou cinco opções de casamento arranjado pelo pai ao longo de seus 20 anos. Quando aceitou, o fez de maneira estratégica: virou uma Orsini, família de prestígio na Roma do Renascimento. Também se tornou proprietária de imóveis e propriedades, além de cultivar uma habilidade diplomática frequentemente utilizada pelo pai para estabelecer diálogos difíceis com inimigos e pontes com parceiros. Professora da Universidade da Califórnia, Caroline conta que foi o marido quem primeiro lhe falou de Felícia e um colega, o professor John Shearman, quem lhe cedeu um importante volume de anotações sobre a personagem. A autora é especialista em Idade Média e Renascimento e já publicou dois livros sobre o tema. A filha do papa é terceira biografia escrita por ela..
Churchill, o jovem titã
De Michael Shelden. Tradução: Gleuber Vieira. GloboLivros, 400 páginas. R$ 49,90

O Winston Churchill de charuto no canto da boca que ajudou a Inglaterra a combater (e se livrar) de Adolf Hitler venceu quando se trata de imagem, mas Michael Shelden se interessou por uma outra figura, vigorosa, namoradeira, passional e, eventualmente, até equivocada. É num primeiro momento da vida de Churchill, 25 anos antes de se tornar primeiro-ministro, que o biógrafo se concentra. Finalista do Pulitzer por uma biografia de George Orwell e autor de outras sobre Graham Greene e Mark Twain, Shelden decidiu contar a história de Churchill entre 1901 e 1915, recorte que abrange a chegada do personagem ao parlamento inglês até a demissão da Marinha, após o fracasso na batalha de Gallipoli. “Tentei trazer à vida essa figura altiva, cuja ascensão precoce ao poder foi a mais espetacular da história da Inglaterra, mas cuja abrupta demissão em 1915 quase destruiu. Ele se tornou o bode expiatório de um governo atolado no fracasso, no começo da Primeira Guerra, mas o que ele aprendeu de sua ascensão e queda foi crucial para seu triunfo 30 anos mais tarde na guerra contra Hitler”, diz Shelden. “É impossível compreender o primeiro-ministro Churchill sem saber a história desse outro Winston.”

O príncipe vermelho
De Timothy Snyder. Tradução: Andrea Gottlieb. Record, 406 páginas.R$ 49,90.

A família imperial dos Habsburgos foi longeva e abrangente. O imperador Francisco José reinou por mais de 60 anos sobre um império que se estendia pela Áustria, pela Hungria e parte da Itália. Ele era o patriarca da família de Wilhelm, o Príncipe Vermelho, que contrariou as ordens imperiais de estender o reino até a Polônia e preferiu a Ucrânia. Foi por essa região, banhada ao sul pelo Mar Negro, que Wilhelm escolheu para reinar e pela qual acabou morrendo. Primeiro, lutou contra os nazistas. Depois, quando a União Soviética anexou a região, se tornou espião em Viena. Morreu em consequência da tortura, após ser capturado pelos soviéticos. Wilhelm foi uma espécie de dissidente entre os Habsburgos ao se fixar na Ucrânia, onde, segundo o biógrafo Timothy Snyder, era querido pelo povo. Mas o projeto não deu certo e o ex-futuro rei se tornou uma figura menos proeminente da família imperial, o que instigou o autor de O príncipe vermelho a investigar sua trajetória.

TRÊS PERGUNTAS/ MICHAEL SHELDEN

Você escreveu cinco biografias.Por que a preferência pelo gênero?

Gosto de pensar em mim mesmo como um contador de histórias e, em qualquer biografia, há muitas histórias para contar. Gosto muito de seguir o progresso individual de alguém pela vida e então tentar recriar o drama desse progresso para os meus leitores. No caso do jovem Churchill, há o drama de sua ascensão precoce ao poder, sua busca por uma esposa e sua determinação em defender a Inglaterra contra a ascensão do Império Germânico. Nós amamos assistir a reality shows na televisão, e biografias são basicamente reality shows. Elas permitem aos leitores espiarem por cima do ombro de uma pessoa famosa a partir de um ponto de vista dramático e dão ao leitor um assento na primeira fila da história.

Qual a diferença entre escrever uma biografia autorizada e uma não-autorizada?
Quando uma pessoa famosa (ou os herdeiros dessa pessoa) decide dar um apoio oficial à biografia, então ela se torna autorizada. Assim, o biógrafo consegue ter acesso fácil a documentos. Os herdeiros de George Orwell, por exemplo, me autorizaram a biografá-lo. Mas essa foi a única biografia que escrevi com essa designação.

Por que Churchill?
O jovem Titã conta a história de um Churchill que a maioria das pessoas não conhece. O tema da minha biografia é um jovem homem esbelto de extraordinária maturidade, galante e charmoso em uma era Eduardiana de grandes políticos e belezas estonteantes. Winston era um político brilhante, uma estrela — o mais novo ministro da Inglaterra em meio século e um líder progressista surpreendente que se voltou contra suas origens aristocráticas para se tornar um campeão dos pobres. Esse é o Churchill desconhecido, cuja riqueza o ridicularizava na condição de um novo rico, mas cujos apoiadores o celebravam como o arquiteto do estado de bem estar social. Era um político destemido e foi alvo de numerosos ataques de seus opononentes, a ponto de quase ser morto em uma plataforma de trem por uma eleitora enraivecida. Ele era um romântico idealista que se viu desesperançadamente apaixonado por três das mais belas mulheres de seu tempo. Acabou ganhando a devoção eterna da filha de um primeiro ministro, Violet Asquith, que se tornou sua mais determinada defensora.

* Genocídio é tema do livro "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbex

Holocausto »Antecâmara da morte: manicômio brasileiro exterminou 60 mil pessoasInternos faziam parte de minorias excluídas do convívio social. Genocídio é tema do livro "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbex

Fellipe Torres - Diario de Pernambuco
Publicação: 28/07/2013 00:01 Atualização: 26/07/2013 20:54

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Controlar os meios para criar uma sociedade de bem nascidos. Esse é o significado original do conceito de “eugenia”, criado em 1883 pelo antropólogo inglês Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882). O termo ganhou forte conotação negativa após a eugenia nazista, a pedra fundamental da ideologia de pureza racial que culminou no Holocausto, como ficou conhecido o extermínio de milhões de pessoas em campos de concentração europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Caso o leitor considere o assunto distante de nossa realidade, basta dizer que as mesmas ideias de “limpeza étnica” embasaram um genocídio silencioso cometido no Hospital Colônia de Barbacena, em Minas Gerais.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação


Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Foram pelo menos 60 mil mortes no hospício, onde apenas 30% dos “pacientes” tinha diagnóstico de doença mental. A maioria dos internos fazia parte de minorias excluídas do convívio social, como epiléticos, mendigos, alcóolatras, homossexuais, prostitutas, meninas grávidas violentadas ou que perderam a virgindade antes do casamento. A instituição foi criada em 1903 com 200 leitos, e alcançou a marca de cinco mil pacientes na década de 1960.

A matança foi tema de uma premiada série de reportagem produzida em 2011 pela repórter Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, agora transformada no livro Holocausto brasileiro(Geração, 256 páginas, R$ 39,90). “Em 2009, um entrevistado me mostrou fotos do manicômio tiradas por Luiz Alfredo e publicadas na revista O Cruzeiro. Nenhuma daquelas imagens me remetia a hospital, e sim a campo de concentração. As pessoas conhecem Barbacena como ‘a capital dos loucos’, sobretudo aqui em Minas Gerais, mas quase ninguém sabe o que se passava de fato em Colônia”, diz a autora.
LEVANTAMENTO 
Daniela Arbex. Foto: Fernando Priamo
Daniela Arbex. Foto: Fernando Priamo
Durante um ano, a jornalista investigou as crueldades cometidas naquele local ao longo das décadas. Descobriu que, ao chegarem, as pessoas tinham os cabelos raspados e eram rebatizadas. Pacientes comiam ratos, bebiam água do esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violados. Alguns morriam de frio, fome e doenças. Às vezes os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. “Havia uma omissão coletiva. Quem sabia dos atos violentos, ou participava deles, preferia fingir que aquilo não estava acontecendo. A violência foi naturalizada, banalizada”, comenta Daniela Arbex.

Mesmo cinco décadas após ter conhecido in loco a realidade do manicômio, o repórter fotográfico Luiz Alfredo ainda guarda na memória o que viu e registrou. “Diferente do trabalho de um profissional que vai para a África e encontra cenas de miséria por lá, cheguei em Barbacena sem saber direito o que estava fazendo e sem saber o que iria encontrar. De repente vi tudo aquilo. Fiz imagens chocantes”.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
No Hospital Colônia, cerca de 16 pessoas morriam por dia. Corpos eram vendidos ou decompostos em ácido para viabilizar o comércio das ossadas. Entre 1969 e 1980, mais de 1,8 mil corpos foram vendidos para faculdades de medicina de todo o país, sem que ninguém questionasse. Em valores atualizados, renderam R$ 600 mil. A realidade de Barbacena começou a mudar a partir dos anos 1980, quando a reforma psiquiátrica ganhou força.

Um dos cabeças do movimento antimanicomial, o psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou a instituição em 1979. Logo em seguida, convocou coletiva de imprensa para dar a seguinte declaração: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei tragédia como essa”. À afirmação, somou-se o documentário Em nome da razão, gravado dentro do Hospital Colônia por Helvécio Ratton, considerado o “golpe de misericórdia” de Barbacena. Reformulado, o local abriga hoje cerca de 160 pacientes. 
Crédito: Geração Editorial/divulgação
Crédito: Geração Editorial/divulgação
LIVRO
Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
Editora: Geração
Formato: 15,6 x 23 cm
Páginas: 256
Preço: R$ 39,90


A CRUEL REALIDADE PSIQUIÁTRICA 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Cerca de 12% da população do país (22 milhões de pessoas) precisa de algum atendimento em saúde mental, aponta o Ministério da Saúde. Em 2011, completou uma década desde que as normas brasileiras foram alteradas para propor um modelo de atenção a esses casos, aberto e de base comunitária. Nesses dez anos, 45 hospitais psiquiátricos fecharam, e o número de leitos especializados caiu de 50 mil para 30 mil. Estava prevista a progressiva extinção dos manicômios, mas a falta de preparo provocou desospitalização em massa, e a consequente carência de rede extra-hospitalar capaz de atender à demanda.

Bernardo Dantas/ DP/D.A Press.
Bernardo Dantas/ DP/D.A Press.
Decano da psiquiatria pernambucana, com mais de cinco décadas de atuação, o médico Othon Bastos aponta que o modelo vigente, baseado em Centros de Atenção Psicosocial (Caps), deveria e poderia ser melhor. Em entrevista ao Viver, falou sobre preconceito contra doentes mentais, a cultura do isolamento e as reformas psiquiátricas realizadas em âmbito global, nacional e local.

“A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas”, relata o psiquiatra. “Isso começou a mudar em 1918, com Ulysses Pernambucano, que fez reforma da assistência psiquiátrica no estado”.

ENTREVISTA OTHON BASTOS 

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Doentes mentais sempre foram vítimas de preconceito? 

Sim. Trata-se de um fenômeno pancultural e pan-histórico, ou seja, os transtornos estão presentes em sociedades de todos os tempos. Historicamente, sempre houve discriminação. A própria bíblia se refere aos doentes mentais como “amaldiçoados”. No século 15, dois padres dominicanos escreveram o Malleus Maleficarum, ou, em português, Martelo das bruxas, espécie de manual da inquisição, que descrevia as doenças mentais e relacionava orientações para torturar e matar os doentes.

O isolamento também tem raízes históricas?
Se observarmos o episódio da Queda da Bastilha, na França, veremos que aquela era uma prisão habitada sobretudo por doentes mentais, tanto recolhidos nas ruas quanto entregues pelos parentes. A rejeição familiar é algo muito presente. Há pouca tolerância. Antes dos tratamentos atuais, manter um doente mental em casa em surto agudo era impossível. Hoje ainda é muito difícil. A instituição do asilo para doentes mentais surge com fins filantrópicos, criada por João de Deus (1495-1550), considerado santo.

Quando a psiquiatria como a conhecemos tomou forma?
O pensamento psiquiátrico surgiu com o médico francês Philippe Pinel (1745-1826), que destruiu os grilhões que acorrentavam os doentes e escreveu uma classificação das doenças mentais. Esse fenômeno se repetiu no mundo todo, e cada país teve o seu próprio Pinel. No Brasil, tivemos Juliano Moreira (1873-1933). Aqui, os casos de doença mental na família real portuguesa inspiraram desde cedo os cuidados psiquiátricos, a começar por D. Maria, a Louca. O primeiro hospital, o Asilo D. Pedro II, foi criado no Rio de Janeiro e internou figuras como Lima Barreto. Esses asilos sempre ficavam em áreas distantes dos centros urbanos, como era o caso da Tamarineira, no Recife.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Como era o atendimento psiquiátrico oferecido em Pernambuco no passado?

A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas. Isso começou a mudar com Ulysses Pernambucano de Mello Sobrinho (1892-1943), que fez reforma da assistência psiquiátrica. Era um homem além do seu tempo. Logo após se formar no Rio de Janeiro, em 1918, foi nomeado para ser médico alienista da Tamarineira.

No que consistiu a reforma?
Ulysses Pernambucano criou o Serviço de Assistência a Psicopatas, que incluia terapia ocupacional, uma ferramenta importante no tratamento. Como a maioria das doenças mentais são crônicas, parte desses doentes eram encaminhados para as duas colônias em Pernambuco, uma em Barreiros (masculina) e outra em Monjope (feminina). Eram o fim da linha para os doentes crônicos e sem família.

A realidade das colônias de Pernambuco eram muito diferentes da de Barbacena?
Barbacena foi o pior hospital colônia do Brasil. Era uma “Psicopatópolis”. Não podia ser comparado aos de Monjope e Barreiros, em Pernambuco. Lá faltavam médicos e recursos. Tinha superlotação, ócio, isolamento social e maus tratos. Os serviços particulares também não eram muito diferentes. Passavam pelos mesmos problemas, exceto a fome. Mas não chamaria o que aconteceu em Barbacena de holocausto. Se houve um holocausto brasileiro foi a Guerra do Paraguai.

Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação
Quando essa cultura de isolamento começou a mudar?

O modelo hospitalocêntrico, com atendimento em unidades psiquiátricas dentro dos hospitais, sempre foi o dominante, até que começou a ser combatido em todo o mundo. Houve até um movimento de revolta chamado antipsiquiatria. Essa luta foi por motivos reais, como os maus tratos recorrentes, e até teve um lado salutar, que foi o combate aos asilos, mas o lado negativo da antipsiquiatria era o fato de negar as doenças. As pessoas diziam que as doenças eram apenas de origem social ou política.

Qual foi o novo modelo proposto?
Houve um movimento nacional para reforma do modelo hospitalocêntrico, em favor do tratamento ambulatorial. Mas boa parte dos profissionais, inclusive eu, não apoiamos o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos, pois não podemos dispensá-los. Muitos surtos precisam ser tratados. Caiu-se no modelo capicêntrico (voltado para os Caps - Centros de Atenção Psicossocial), que tem virtudes como as equipes multidisciplinares, com terapeutas ocupacionais, enfermeiros especializados e serviço social atuante.

Há também pontos negativos nesse novo modelo?
Algo que lamentei foi quando mudamos os pacientes para o Hospital das Clínicas, onde eles ficam enclausurados. Os doentes mentais precisam pisar no chão e ter sol aberto. Não se coloca enfermaria psiquiátrica em prédio sem pátio. Isso é relevante porque as doenças mentais são um dos maiores problemas de saúde do país. Os Caps deveriam e poderiam ser melhores.

* Várias adaptações de obras literárias chegarão aos cinemas do país este semestre

Biografia de Elizabeth Bishop e livros de Fernando Sabino e Érico Verissimo já estão na fila de estreias

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Publicação: 28/07/2013 14:57 

 (Lisa Graham/Divulgação)
Na véspera do Natal de 1995, a produtora Lucy Barreto recebeu de Carmen L. Oliveira um exemplar do livro Flores raras e banalíssimas, recém-publicado pela Rocco. Não parou de lê-lo até a manhã de 26 de dezembro, quando ligou para a autora dizendo: “É meu. Não sei quando nem como, mas vou fazer essa história”. Pouco depois, Lucy deu outro telefonema, dessa vez para Glória Pires: “Só você pode fazer a Lota”, avisou. Quase 18 anos depois dessa epifania natalina, chega aos cinemas Flores raras, filme de Bruno Barreto sobre o relacionamento da poeta americana Elizabeth Bishop com a arquiteta carioca Lota de Macedo Soares nas décadas de 1950 e 1960, e a influência da escritora na cultura da época.

Em 9 de agosto, Flores raras abre a 41ª edição do Festival de Cinema de Gramado. Uma semana mais tarde, entra em cartaz no circuito comercial. É a primeira adaptação cinematográfica de obra literária a chegar às salas este semestre – período que promete uma série de longas nacionais e estrangeiros do gênero. O segundo da lista tem perfil totalmente diferente. O tempo e o vento, adaptação de Jayme Monjardim para a clássica saga de Érico Verissimo, estreia em 20 de setembro.

Para retratar o épico gaúcho foi escalado elenco estelar: Fernanda Montenegro, Thiago Lacerda e Cléo Pires (que vai fazer Ana Terra, papel de sua mãe, Glória Pires, para a minissérie de TV, em 1985). É o primeiro longa-metragem do diretor desde Olga (2004), produção inspirada na biografia escrita por Fernando Morais.

Lucy Barreto está completando 50 anos como cofundadora da LC Barreto, cujo currículo traz mais de 80 títulos. A produtora afirma que adaptações demandam certo trabalho: “O que rende numa obra literária não rende numa cinematográfica, pois as linguagens são totalmente diferentes”.

Entre os trabalhos que levam a assinatura da produtora fundada com o marido, Luiz Carlos Barreto, ela considera bem-sucedidos Vidas secas (1963, de Nelson Pereira dos Santos para a obra de Graciliano Ramos) e Dona Flor e seus dois maridos (1976, de Bruno Barreto, para o popular romance de Jorge Amado). “Nessa, por exemplo, só usamos a metade do livro”, conta.

As quase duas décadas para Flores raras ficar pronto se devem, principalmente, à dificuldade de captação de recursos. “O grande dificultador foi o preconceito”, diz Lucy. Houve também morosidade para criar o roteiro. Inicialmente, o diretor Bruno Barreto não se convenceu de que aquela história daria um filme. “Não é romance, mas uma grande pesquisa sobre a estadia de Bishop no Brasil e, sobretudo, sobre a Lota e suas amigas. Na época, ofereci o livro ao Hector Babenco, mas ele me disse que não via ali um filme”, relembra Lucy.

O projeto só começou a sair efetivamente do papel em 2006. O roteiro passou por diversas mãos. Carolina Kotscho escreveu o argumento. Como o filme é quase todo falado em inglês, foi chamada posteriormente a norte-americana Julie Sayres, que deu lugar a Matthew Chapman. “Ela acrescentou mais textura ao roteiro”, diz Lucy.

Crianças à vista

A intenção inicial era que o lançamento de O menino no espelho coincidisse com os 90 anos de nascimento de Fernando Sabino, em 12 de outubro. Questões mercadológicas adiaram a chegada do longa-metragem ao circuito comercial para janeiro – férias de verão, época nobre para filmes dirigidos ao público infantojuvenil. Dirigido por Guilherme Fiuza e produzido pela mineira Camisa Listrada, O menino no espelho, já em fase de finalização, foi rodado há um ano na região de Cataguases, Zona da Mata.

Publicado em 1982, o livro compila histórias do garoto Fernando Sabino na Belo Horizonte da década de 1920. “A gente tinha de sair da fragmentação dos contos. Nossa grande dificuldade na adaptação foi selecionar quais levar para a tela. Descartamos os infantis demais e aqueles difíceis de ser adaptados. A partir daí, escrevemos uma história com início, meio e fim. Ela tem um arco central e os contos funcionam como passagens dessa narrativa. Tivemos de criar algumas coisas que não estão no livro”, afirma o produtor André Carreira, que assinou o roteiro ao lado de Cristiano Abud e Guilherme Fiuza.

Palavra de especialista
Carmen L. Oliveira autora de Flores raras e banalíssimas

De Camões a Lota

“Fui picada pelo aguilhão da curiosidade aos versos escritos por Camões dedicados, em português, pela poeta norte-americana Elizabeth Bishop a uma tal Lota de Macedo Soares. Não tinha a mínima ideia sobre a brasileira Lota. Dediquei-me à tarefa surpreendente de descobri-la, visto que não constava de arquivos nem da lembrança social dos cariocas. Acabei por localizar Magu, que era amiga pessoal da Lota e, mais, havia trabalhado com ela no Aterro (Lota foi idealizadora do Parque do Flamengo). Foi a primeira vez em que associei o nome de Lota e seu notório sobrenome à urbanização do aterro. Magu me emprestou seis sacolas repletas de manuscritos de Lota. Minha ignorância se transformou em admiração e espanto. Estava ali uma mulher avant-garde, brilhante, fascinante. Pude fazer contato com senhoras e senhores que haviam lidado com Lota, todos seus fãs declarados. Algumas das senhoras tinham sido amigas e conheciam detalhes da vida íntima de Lota e da própria Bishop. Mediante compromisso de que não revelaria minha fonte em um eventual livro, todas me descreveram suas experiências. No livro receberam pseudônimos. Compreendo a ‘dificuldade’ de abordarem o tema gay, não obstante Lota fosse absolutamente tranquila em relação à sua postura. Ocorreu, às vezes, discordância entre pontos de vista, uma alegando que as duas tinham um amor de almas, enquanto outra garantia que Lota era da pá-virada. Mantive, escudadas por pseudônimos, todas as opiniões divergentes.”

* Os vários papéis dos pseudônimos na literatura

Revelação que J. K. Rowling escreveu livro com outro nome lembra uma longa tradição literária de alcunhas de escritores e poetas

J. K. Rowling assumiu recentemente que escrever com pseudônimo foi uma

J. K. Rowling assumiu recentemente que escrever com pseudônimo foi uma "experiência libertadora"

Divulgação

Ser alguém pode ser uma prisão: de certa forma, um nome sempre carrega o peso de uma história, de uma fama e de alguns hábitos. Na literatura, escapar de si mesmo é um expediente comum; na verdade, um dos motores da ficção e dos versos é a permissão para inventar para si mesmo um papel, uma linguagem e uma olhar diferente a partir de um narrador, por exemplo. Quando isso não é suficiente, no entanto, sempre existem outras formas, tão radicais quanto comuns: os pseudônimos.
Um caso recente surpreendeu o mundo. Na semana passada, a best-seller inglesa J. K. Rowling admitiu que havia publicado um romance policial usando o nome Robert Galbraith por uma pequena editora inglesa – algo que não é incomum entre autores famosos da literatura. A obra havia ganhado resenhas elogiosas, mas não tinha ido além de 1,5 mil cópias vendidas. Agora já é a mais vendida da semana em várias livrarias estrangeiras – sinal de que até no mundo do mercado literário saber escrever dentro de um gênero não é suficiente: a fama sempre é importante.
Na nota em que admitiu a manobra, J.K. Rowling comentou que a experiência havia sido “absolutamente libertadora”. De certa forma a invenção de uma outra persona literária para si mesmo sempre nasce sob o signo da liberdade: contra a repressão política ou estética, contra uma expectativa de leitores, contra o próprio estilo.
“Para alguns autores, o pseudônimo serve para não se expor. Para outros, é uma forma de nascer novamente, um requinte ligado a uma nova biografia que foge do cotidiano”, explica a professora de Letras da UFPE e poeta Lucila Nogueira. No livro Pseudonímia e literatura: Cravan/Pessoa/Drummond, ela analisa o uso da criação de outro nome como parte da obra desses autores. “Um pseudônimo pode ser uma forma de ocultação e, ao mesmo tempo, de revelação de uma de vida”, aponta.
Ainda que hoje Lucila acredite que mundo literário é mais aberto, o que exige menos pseudônimos, ela não vê que o recurso deve parar de ser utilizado em breve. Uma prova disso é a existência de autores contemporâneos, para além de J. K. Rowling, que se usam de alcunhas para parte da sua obra.
A questão é que o tipo de liberdade buscado não é em relação a uma repressão política ou estética. “Um novo nome literário fornece a qualquer autor uma boa oportunidade pra que este se reinvente, reinventado seu mundo”, conta o escritor paulista Luiz Bras, nome que Nelson de Oliveira começou a assumir há mais de dez anos. Mais do que uma duplicação, o pseudônimo se tornou sua única voz atual. Em 2012, ele avisou que não mais escreveria como Nelson, dono de uma vasta obra ficcional e acadêmica.
A mudança, para Luiz, foi completamente benéfica. “Se bem administrado, um novo nome literário pode salvar um autor. Foi o que aconteceu comigo. Fui salvo da repetição e da mesmice”.
Um outro caso da produtividade de uma outra identidade é o poeta pernambucano Raimundo de Moraes. Seu primeiro heterônimo – ele vê uma diferença fundamental entre o termo e o conceito de pseudônimo – foi Aymmar Rodriguéz, que apareceu na década de 1980. O personagem não apareceu por escolha sua, mas por uma necessidade que foge à sua compreensão. “Eu nunca planejei nada. Aymmar surgiu de repente e eu jamais poderia assinar a produção dele como Raimundo”, conta o autor. “A minha poesia como Raimundo e como Aymmar é tão diferente que é até contraditória”.

* Justiça ordena teste de DNA a restos mortais de Neruda

Exame se faz necessário para descobrir se o escritor foi envenenado na ditadura de Augusto Pinochet


O juiz chileno Mario Carroza ordenou a realização de testes de DNA nos restos exumados do poeta Pablo Neruda para confirmar sua identificação, dentro de uma investigação para determinar se ele foi envenenado na ditadura de Augusto Pinochet.
Carroza solicitou ao Serviço Médico Legal a identificação científica dos restos exumados em 8 de abril passado, na casa de Pablo Neruda, na Isla Negra, com base no DNA de seus familiares mais próximos.
"Se o DNA não coincidir com o de seus familiares, estaremos em condições de confirmá-lo com amostras de seus pais, que se encontram enterrados no sul do país", disse o juiz aos jornalistas.
Pablo Neruda teve apenas uma filha de seu primeiro casamento, e ela faleceu aos nove anos, na Holanda, por hidrocefalia. Os parentes mais próximos que continuam vivos são seus sobrinhos.
Os restos mortais do poeta estão sendo submetidos paralelamente a exames toxicológicos na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e na Universidade de Múrcia, na Espanhaa.
Oficialmente, a morte de Neruda é atribuída ao agravamento de um câncer de próstata. Depois das recorrentes denúncias do ex-assistente pessoal Manuel Araya, de que o poeta pode ter sido envenenado, investiga-se se foi assassinado por agentes do regime Pinochet (1973 - 1990).
As primeiras perícias confirmaram que o poeta sofria de um câncer de próstata em estágio avançado, mas as análises toxicológicas ainda não foram concluídas.

* Obra de Osman Lins ainda precisa ser mais lida



ESQUECIDO

Escritor pernambucano deixou muitos autores influenciados pela sua obra; as homenagens a Avalovara neste ano tem sido tímidas

Publicado em 28/07/2013, às 05h44

Osman Lins foi referência para nomes como Raimundo Carrero, Milton Hatoum e Marcelino Freire / Reprodução

Osman Lins foi referência para nomes como Raimundo Carrero, Milton Hatoum e Marcelino Freire

Reprodução


Não é só Avalovara que não tem o destaque que merece: a obra de Osman Lins como um todo ainda precisa ter sua importância avaliada, principalmente romances como Nove, novena e A rainha dos cárceres da Grécia – a exceção honrosa é a peça Lisbela e o prisioneiro, que foi adaptada para o cinema com grande sucesso de público. Para o professor de Letras Fábio Andrade, a questão é ainda mais grave. “Falta ainda um reconhecimento de toda obra dele, tanto da prosa como do pensamento crítico”, aponta.
Para Lourival Holanda, também acadêmico, é difícil pensar em autor escritor da dimensão de Osman que tenha aparecido em Pernambuco desde então. “Por que Raduan Nassar não nasceu por aqui?”, lamenta. “Muitos escrevem, poucos bem; quase ninguém fez da escrita uma profissão de fé, feito Osman. A estética literária dele é também uma ética; reordenar, na frase, o mundo”.
Ele identifica, no entanto, leitores atentos da obra de Osman no Brasil, como Milton Hatoum, Marcelino Freire e o próprio colega Fábio Andrade. Fábio confessa a referência. “Eu estou tentando tirar essa influência osmaniana da minha prosa. Meu primeiro romance, que estou preparando agora, é uma desconstrução”, revela. “Não deixa de ser uma marca da importância de Osman para mim: ter que assassinar um pai literário é algo muito simbólico”.
O escritor Raimundo Carrero também foi marcado pela obra do vitoriense. “Quando li Osman, eu modifiquei toda a minha maneira de escrever”, expõe. “Ele é um autor notável que tinha uma compreensão absoluta do romance como uma sinfonia, que é o que até hoje eu levo para as minhas obras. Ele não conta uma história, mas sim as atravessa com os sons, com a luz”.
Para Carrero, é importante enxergar os 40 anos de Avalovara como um momento perfeito para tirar Osman do esquecimento do público e da crítica. Uma mesa no Festival Internacional deste ano abordou a proximidade entre o grupo OuLiPo e o autor pernambucano, mas outras homenagens oficiais ainda não foram anunciadas – em 2014, ainda serão celebrados os 90 anos de nascimento de Osman. Fábio, no entanto, adianta que está tentando organizar com Lourival Holanda um colóquio sobre a obra do pernambucano para comemorar a efeméride em setembro.


Os 40 anos da espiral literária de Avalovara, de Osman Lins

Obra, uma das mais importantes da prosa brasileira, tem estrutura complexa e inovadora, mas é pouco celebrada atualmente

Publicado em 28/07/2013, às 05h44

Osman Lins construiu sua principal obra a partir do complexo jogo de um espiral com um quadrado / Reprodução

Osman Lins construiu sua principal obra a partir do complexo jogo de um espiral com um quadrado

Reprodução


Nascer um prosador em uma terra de poetas iria marcar a ironia da obra do escritor vitoriense Osman Lins (1924-1978), talvez o maior nome da literatura pernambucana depois de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Nome reconhecido pela crítica internacional, o criador de obras como Nove, novena ainda hoje é pouco lido na sua própria terra, quase ignorado por novas gerações. No ano que sua maior obra-prima, Avalovara, completa 40 anos do seu lançamento, o incômodo é ainda maior: continuamos a desviar os olhos de uma das prosas mais fortes já produzidas no Brasil.
É só pensar no próprio Avalovara – o ponto principal de equilíbrio entre o seu experimentalismo formal e a preocupação com as questões humanas – para entender a revolução que a obra significa. O romance traz o personagem Abel e a história de três mulheres de sua vida, relacionadas a cidades como Recife, São Paulo, Amsterdã e Roma Antiga, e tem figuras singulares, como o pássaro feito de pássaros que nomeia a obra.
A trama parece simples ou, ao menos, não tão radical assim. É a sua união a experiência (mais do que experimento) radical de narrativa que faz deAvalovara o romance que o argentino Julio Cortázar disse que, se tivesse escrito, passaria 20 anos sem tentar criar outra obra. A partir do palíndromo em latim “sator arepo tenet opera rotas” (com vários sentidos, sendo um deles algo como “o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita”), ele cria uma narrativa que funciona a partir da inscrição de um espiral em um quadrado, que possibilita inúmeras leituras das frase.
Essa estrutura não é um detalhe. Como aponta a professora de Letras Leny da Costa Gomes, da Universidade de Brasília, o próprio Osman ressalta o papel dessa organização no romance: “Quando, em Avalovara, me ocupo do romance, da organização do romance, ocupo-me do mundo, da transição do caos ao cosmos”. Segundo ela, a obra reflete essa busca pela ordenação do caos. “Esse processo de organização, que é de contínua interação, também gera a dispersão, formando um movimento espiralado; portanto, aberto, sem início nem fim”, defende.
Avalovara foi lançado dez anos depois de o de outro romance de forma radical:O jogo da amarelinha, de Cortázar, que traz vários caminhos de leitura. “Em um certo sentido, Avalovara é até mais ambicioso. O romance é um ápice de uma obra que, desde o início, conseguiu unir experimentalismo formal com uma atenção às questões humanas fundamentais. Ele é sobre grandes temas, como a incomunicabilidade e o papel do amor e da morte”, aponta o poeta e professor da UFPE Fábio Andrade, que fez sua dissertação de mestrado sobre a obra.
Para o pesquisador, no entanto, a semelhança entre os livros se limita a essa invenção formal. “Na escrita em si, eu vejo diferenças. Cortázar tem uma linguagem que corre; Osman tem uma prosa estacada, mais pontual”, descreve.
“Eu diria que a estrutura de Avalovara é como uma jaula dentro da qual se movem animais selvagens. Inquietude, angústia, desespero, tudo o que faz parte da nossa condição. (...) Não há nada obscuro em Avalovara. É como se eu tentasse transmitir com a maior
”Osman Lins, escritor, em entrevista
Um dos maiores críticos literários brasileiros, Antônio Cândido se rendeu ao livro. “O que desde logo prende em Avalovara é a poderosa coexistência da deliberação e da fantasia, do calculado e do imprevisto, tanto no plano quanto na execução de cada parte”. Desde esse depoimento, no prefácio do livro, o romance publicado há 40 anos mostra que não se sustenta apenas pela estrutura: há uma invenção na narrativa e na linguagem também.
O professor da UFPE Lourival Holanda, organizador de três volumes de contos de Osman Lins, destaca também o controle da linguagem do autor, um “romântico com cabresto”. Para ele, a modernidade de Osman vem daí e, apesar de alguma semelhanças com os jogos e as restrições que movimentavam os autores do grupo OuLiPo, como Georges Perec e Raymond Queneau, vai além. O pernambucano, ele ressalta, “tem uma atitude crítica com relação á linguagem; não ‘cede’ à expressão: antes, luta com ela”. “Nove, novena eAvalovara são os dois momentos mais altos da produção dele”, afirma.
O escritor pernambucano Raimundo Carrero entende que a obra pertence a um cânone privilegiado da literatura. “Avalovara é um livro maior não para o Brasil, mas para a humanidade. É do tamanho de Grande sertão: veredasDom Casmurro e O romance d’a Pedra do Reino”, define. Fábio Andrade lembra que, quando o livro foi lançado na França, foi considerado um dos três ou quatro melhores traduzidos na década.
Por aqui, ele ressalta, apesar de Avalovara ter sido considerado “difícil” pela crítica, foi um dos livros mais vendidos do Brasil em 1973, quando foi lançado. O reconhecimento veio por nomes grandes da crítica literária da época, como Antônio Cândido e João Alexandre Barbosa, mas o romance também foi muito incompreendido. “Queriam encontrar em Avalovara um livro explicitamente contra a ditadura, mas ele era muito mais do que isso”, diz o pesquisador.
Um dos fatos que mostra Avalovara como uma obra viva é o projeto Uma rede no ar – Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins. Na página, é possível acompanhar vários percursos da principal narrativa de Osman. Segundo a professora Leny da Costa Gomes, um dos nomes a frente do projeto, a proposta era fazer um levantamento dos elementos arquitetônicos, artísticos e intertextuais da obra. “A ideia era transformar os dados em um sistema hipertextual, que possibilitasse a navegação por links em contínuo processo de alimentação, que poderia ser feito pelos leitores”, conta.
O que impede uma maior circulação do romance hoje, para Fábio, é a falta de textos críticos e professores capacitados.“O valor do romance assusta um pouco, exige que quem se aproxime dele se comprometa. Não dá para fazer uma leitura acadêmica rasa”, atesta o pesquisador. A experiência de leitura deAvalovara continua disponível, 40 anos depois, para quem quiser mergulhar nos seus abismos.


LANÇAMENTO

Última novela escrita por Osman Lins ganha edição em livro

Em edição trilíngue, a narrativa traz uma enredo sombrio e quase premonitório sobre o autor, que morreria no mesmo ano de sua publicação

Publicado em 28/07/2013, às 05h44


Uma das raras novidades editoriais da produção de Osman Lins neste ano é o lançamento de uma edição trilíngue do seu último texto, a novelaDomingo de Páscoa, escrita em 1978 e publicada na revista Status. A narrativa, antes inédita em livro, sai pela Editora UFSC, com organização de Ana Luiza Andrade, pesquisadora da obra do autor. Além do texto original, o volume conta com artigos crítico da viúva do escritor, Julieta de Godoy Ladeira, já falecida, de Ana Luiza e de Fred P. Ellison, todos vertidos também para o espanhol e o inglês.
“Trata-se de uma ‘novela’ enigmática em seus questionamentos. E parece-me que ele se interroga novamente sobre o seu ofício na conjuntura cultural que o cercava então, iluminando criticamente o caminho da arte no mundo atual”, opina a organizadora. A narrativa se passa em uma praia do Espírito Santo, inspirada em uma viagem do próprio autor com Julieta. No texto, um enfermeiro particular acompanha sua paciente em um tratamento nas terras curativas da região, enquanto observa a figura de um estrangeiro misterioso e sente o espectro da morte ao redor do seu hotel.
No prefácio da novela, Julieta destaca como a narrativa parece ter sido um presságio do futuro do autor pernambucano – principalmente porque ele morreria no ano da sua publicação. “Poucos escritores se deram tanto e tão profundamente à sua arte a esse ponto, o de um envolvimento em que de certo modo os fatos literários, criados através de uma busca tão intensa, de tão grande entrega, fossem em alguns casos se cumprindo, depois, na realidade vivida pelo autor”, afirma a escritora. A metáfora de um homem acometido até mesmo fisicamente pela própria literatura é perfeita para Osman, que parece ter vivido fora das palavras.
Leia um trecho de Domingo de Páscoa:
As longas tábuas ensolaradas do piso cheiram a cedro e cera. Vem do banheiro esse perfume que sentimos ao atravessar um pinheiral e o ar marítimo agita as cortinas florosas em ondas lentas como que se desfazem lá embaixo, inaudíveis, molhando a exígua praia ainda fresca e os pés dos velhos. Eles desfilam, quase sempre aos pares, os cotovelos um pouco levantados, ou sentam-se no chão, pernas estendidas, cobrem as juntas com a areia negra e com a argila viscoca, ocre, sempre renovada pelo mar. Somadas, suas idades espantam, eles em conjunto um ancião monstruoso, várias vezes milenar, observando furtivos, com nostalgia, cobiça e vontade de cuspir, meu torso musculoso, meus inconcebíveis quarenta e quatro anos. Fragrâncias de loções, de pós e de cremes de beleza mesclam-se ao pérfido aroma do assoalho, infestado do ruflar de asas e de escamas deslizando: espectros de pássaros e de répteis. Só uma hóspede, o corpo lustroso de óleo, se expõe ao sol junto à piscina, numa cadeira reclinável.


Leia o texto na íntegra no Jornal do Commercio deste domingo (28/7)