Lei protege a privacidade acima de tudo e quem se aventura pela empreitada corre o risco de nem ver o livro publicado
Publicação: 28/07/2013 15:11 Atualização: 28/07/2013 15:16
Escrever biografia no Brasil é uma tarefa hercúlea. Especialmente se o biografado ainda estiver vivo. A lei protege a privacidade acima de tudo e quem se aventura pela empreitada corre o risco de nem ver o livro publicado. A biografia Roberto Carlos em detalhes, de Paulo César Araújo, foi retirada das prateleiras quando já estava sendo comercializada e Sinfonia de Minas Gerais — a vida e a literatura de Guimarães Rosa, de Alaor Barbosa, também foi embargada. Para profissionais dos mercados editoriais europeu e norte-americano, o cenário brasileiro é surreal. Por lá, felizmente, as leis são outras. Assim, é possível alimentar um mercado de muitos leitores e aprofundar a pesquisa sobre figuras que ajudam a entender melhor a história do homem. O Diversão&Arte selecionou seis biografias que foram lançadas nos últimos dois meses. Cinco são estrangeiras e retratam personagens históricos. Uma é brasileira e trata de uma figura contemporânea e ainda atuante.
De Otávio Cabral. Record,364. páginas. R$ 39,90.
Uma editora portuguesa ficou assustada quando descobriu que, no Brasil, publicar uma biografia pode gerar uma legião sem-fim de processos e até a suspensão da venda do livro. Quando foi apresentada ao projeto do jornalista Otávio Cabral de escrever um livro sobre José Dirceu, ela topou. Mais tarde, a editora desistiu de publicar por temer os possíveis processos. E o livro saiu pela Record. Conhecido por não falar com a imprensa, o ex-ministro não quis encontrar o biógrafo, mas até agora não articulou nenhum movimento para impedir a circulação da obra. “E embora não tenha participado do livro, em nenhum momento, ele tentou impedir que as pessoas falassem comigo”, conta Cabral, que é editor da Veja. Foram seis meses e 63 entrevistas para escrever o livro. Por ser protagonista de escândalos e momentos políticos recentes, Dirceu é observado de perto e a biografia de Cabral gerou leitura imediata. As críticas também são rápidas. A jornalista Mônica Bergamo acusou o colega de ter passado informações erradas sobre um encontro com Dirceu. Bergamo foi à casa do ex-ministro na noite em que ele deveria ter sido preso. A visita teria sido feita a convite, segundo Carbal. Mas Bergamo diz que foi uma obrigação profissional procurar Dirceu, às 5h da manhã. “Fiquei muito mais satisfeito com os elogios, que vieram de pessoas isentas, do que com as críticas, que vieram de pessoas próximas a ele e até que trabalham com ele”, explica o autor. A imparcialidade de Cabral é um dos pontos elogiados pela crítica, um tom que ele acredita ser a chave para a credibilidade da biografia. “Quanto mais isento e baseado em documentos, mais credibilidade tem o trabalho.”
De Alex Kershaw. Tradução: Clóvis Marques. Record, 350 páginas. R$ 42,90
O britânico Alex Kershaw sempre se pergunta se assistia a muitos filme sobre a Segunda Guerra quando garoto. Ele gosta do tema. Escreveu três livros sobre o período, inclusive Sangue e champanhe, que narra a vida do fotógrafo mais famoso da guerra mundial e chega às livrarias brasileiras 11 anos depois de ter sido publicado nos Estados Unidos. Capa foi, literalmente, um homem que se inventou. Nascido húngaro e batizado de André Friedmann, adotou o pseudônimo como estratégia de marketing para vender as fotos e tratou de passar a vida cobrindo conflitos. Os registros mais importantes da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Guerra vieram das lentes de Capa. Acompanhando a primeira leva de americanos que desembarcou na Normandia em 1944, ele viu de perto a violência de um massacre. Suas poucas imagens — boa parte acabou perdida por conta de um erro do laboratorista na revelação — foram tudo que restou daqueles momentos dramáticos. Kershaw fez questão de mostrar essas fotos a cada um dos veteranos entrevistados para o livro. Para escrever a biografia, o autor teve acesso a arquivos secretos soviéticos do FBI e gerou muita polêmica ao questionar a autenticidade da foto do soldado caído, a imagem mais conhecida da obra de Robert Capa. “Era uma biografia não autorizada, então tive que lutar muito pelos fatos”, conta o autor, especializado em Segunda Guerra. “Tudo que eu amo e valorizo está em jogo quando se trata de Segunda Guerra. E eu amo a música, a moda, o drama, o heroísmo desse período. Era um tempo no qual se podia ver claramente o certo e o errado e, pelo menos uma vez, as pessoas que arriscaram tudo ganharam um futuro melhor.”
De Caroline P. Murphy. Tradução: Laura Rumchinsky. Record, 476 páginas. R$ 59,90.
Não foram só os Bórgias que ficaram para a história do Vaticano. Outro papa, além de Alexandre VI, viu um de seus filhos ascender política e socialmente. Uma filha, na verdade. Felícia nasceu ilegítima. Seu pai, Giuliano della Rovere, era cardeal na época em que concebeu a menina. Sucedeu o papa Sisto IV e se tornou Julio II. Felícia, por sua vez, não tinha nada de comum para uma mulher do Renascimento. Enérgica, voluntariosa e empreendedora, ela acabou por desfrutar de um trânsito incomum no Vaticano, prestígio que a britânica Caroline Muprhy credita mais ao temperamento da personagem do que ao fato de ser filha de um papa. Felícia recusou cinco opções de casamento arranjado pelo pai ao longo de seus 20 anos. Quando aceitou, o fez de maneira estratégica: virou uma Orsini, família de prestígio na Roma do Renascimento. Também se tornou proprietária de imóveis e propriedades, além de cultivar uma habilidade diplomática frequentemente utilizada pelo pai para estabelecer diálogos difíceis com inimigos e pontes com parceiros. Professora da Universidade da Califórnia, Caroline conta que foi o marido quem primeiro lhe falou de Felícia e um colega, o professor John Shearman, quem lhe cedeu um importante volume de anotações sobre a personagem. A autora é especialista em Idade Média e Renascimento e já publicou dois livros sobre o tema. A filha do papa é terceira biografia escrita por ela..
De Michael Shelden. Tradução: Gleuber Vieira. GloboLivros, 400 páginas. R$ 49,90
O Winston Churchill de charuto no canto da boca que ajudou a Inglaterra a combater (e se livrar) de Adolf Hitler venceu quando se trata de imagem, mas Michael Shelden se interessou por uma outra figura, vigorosa, namoradeira, passional e, eventualmente, até equivocada. É num primeiro momento da vida de Churchill, 25 anos antes de se tornar primeiro-ministro, que o biógrafo se concentra. Finalista do Pulitzer por uma biografia de George Orwell e autor de outras sobre Graham Greene e Mark Twain, Shelden decidiu contar a história de Churchill entre 1901 e 1915, recorte que abrange a chegada do personagem ao parlamento inglês até a demissão da Marinha, após o fracasso na batalha de Gallipoli. “Tentei trazer à vida essa figura altiva, cuja ascensão precoce ao poder foi a mais espetacular da história da Inglaterra, mas cuja abrupta demissão em 1915 quase destruiu. Ele se tornou o bode expiatório de um governo atolado no fracasso, no começo da Primeira Guerra, mas o que ele aprendeu de sua ascensão e queda foi crucial para seu triunfo 30 anos mais tarde na guerra contra Hitler”, diz Shelden. “É impossível compreender o primeiro-ministro Churchill sem saber a história desse outro Winston.”
De Timothy Snyder. Tradução: Andrea Gottlieb. Record, 406 páginas.R$ 49,90.
A família imperial dos Habsburgos foi longeva e abrangente. O imperador Francisco José reinou por mais de 60 anos sobre um império que se estendia pela Áustria, pela Hungria e parte da Itália. Ele era o patriarca da família de Wilhelm, o Príncipe Vermelho, que contrariou as ordens imperiais de estender o reino até a Polônia e preferiu a Ucrânia. Foi por essa região, banhada ao sul pelo Mar Negro, que Wilhelm escolheu para reinar e pela qual acabou morrendo. Primeiro, lutou contra os nazistas. Depois, quando a União Soviética anexou a região, se tornou espião em Viena. Morreu em consequência da tortura, após ser capturado pelos soviéticos. Wilhelm foi uma espécie de dissidente entre os Habsburgos ao se fixar na Ucrânia, onde, segundo o biógrafo Timothy Snyder, era querido pelo povo. Mas o projeto não deu certo e o ex-futuro rei se tornou uma figura menos proeminente da família imperial, o que instigou o autor de O príncipe vermelho a investigar sua trajetória.
TRÊS PERGUNTAS/ MICHAEL SHELDEN
Você escreveu cinco biografias.Por que a preferência pelo gênero?
Gosto de pensar em mim mesmo como um contador de histórias e, em qualquer biografia, há muitas histórias para contar. Gosto muito de seguir o progresso individual de alguém pela vida e então tentar recriar o drama desse progresso para os meus leitores. No caso do jovem Churchill, há o drama de sua ascensão precoce ao poder, sua busca por uma esposa e sua determinação em defender a Inglaterra contra a ascensão do Império Germânico. Nós amamos assistir a reality shows na televisão, e biografias são basicamente reality shows. Elas permitem aos leitores espiarem por cima do ombro de uma pessoa famosa a partir de um ponto de vista dramático e dão ao leitor um assento na primeira fila da história.
Qual a diferença entre escrever uma biografia autorizada e uma não-autorizada?
Quando uma pessoa famosa (ou os herdeiros dessa pessoa) decide dar um apoio oficial à biografia, então ela se torna autorizada. Assim, o biógrafo consegue ter acesso fácil a documentos. Os herdeiros de George Orwell, por exemplo, me autorizaram a biografá-lo. Mas essa foi a única biografia que escrevi com essa designação.
Por que Churchill?
O jovem Titã conta a história de um Churchill que a maioria das pessoas não conhece. O tema da minha biografia é um jovem homem esbelto de extraordinária maturidade, galante e charmoso em uma era Eduardiana de grandes políticos e belezas estonteantes. Winston era um político brilhante, uma estrela — o mais novo ministro da Inglaterra em meio século e um líder progressista surpreendente que se voltou contra suas origens aristocráticas para se tornar um campeão dos pobres. Esse é o Churchill desconhecido, cuja riqueza o ridicularizava na condição de um novo rico, mas cujos apoiadores o celebravam como o arquiteto do estado de bem estar social. Era um político destemido e foi alvo de numerosos ataques de seus opononentes, a ponto de quase ser morto em uma plataforma de trem por uma eleitora enraivecida. Ele era um romântico idealista que se viu desesperançadamente apaixonado por três das mais belas mulheres de seu tempo. Acabou ganhando a devoção eterna da filha de um primeiro ministro, Violet Asquith, que se tornou sua mais determinada defensora.
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