Uso de pseudônimos por escritores tem longa tradição e vários motivos
Ao assinar sua nova obra com um nome masculino, a britânica J. K. Rowling chamou a atenção para uma velha tradição: o uso de pseudônimos por escritores. Só que nem todos o fizeram por motivos prosaicos.
O mundo dos livros é como um pequeno lago com inúmeros peixes pequenos e uns poucos grandes. Quando algo extraordinário acontece, logo se formam ondas enormes. Foi o que aconteceu no mês passado, quando foi revelado à imprensa que a escritora britânica J. K. Rowling é a verdadeira autora do romance policial The cuckoo's calling, lançado em janeiro deste ano.
Rowling, autora de nada menos que a série Harry Potter, assinou a história de detetive com o pseudônimo Robert Galbraith. O livro deve ser lançado no Brasil em novembro.
As reações foram controversas. Alguns elogiaram a atitude da autora, que ao usar um pseudônimo, livrou-se do peso da expectativa do público, natural depois de tantos best-sellers. Mas outros se questionaram por que uma escritora de tanto sucesso escolheu se esconder atrás de uma identidade masculina.
Fenômeno antigo
O uso de pseudônimos não é um fenômeno novo na história da literatura. Mas, em muitos casos, identidades alternativas foram adotadas por razões bem mais sérias, como evitar perseguições.
O autor alemão Erich Kästner, por exemplo, foi proibido de escrever durante o período nazista. Mas ele continuou produzindo, com relativo sucesso, assinando suas obras com nomes como Berthold Bürger, Melchior Kurtz e Robert Neuner.
Um exemplo mais recente é o do escritor argelino Mohammed Moulessehoul, que publicou obras usando o nome da esposa, Yasmina Khadra. Militar, ele temia ser censurado se publicasse com o próprio nome.
Pseudônimos também foram um artifício recorrente entre mulheres, que usavam nomes de homens para poder publicar. Em pleno século 20, vários países europeus tinham leis que impediam que mulheres ganhassem dinheiro sem a permissão do marido.
Exemplos famosos são os de George Sand (que na verdade se chamava Amandine Aurore Lucile Dupin) e George Eliot (Mary Anne Evans). No século 19, as irmãs Brontë – Anne, Charlotte e Emily – também publicaram poemas e romances sob as identidades masculinas Acton Bell, Currer Bell e Ellis Bell.
Romances policiais
Esses são exemplos do passado, mas ainda hoje escritores e escritoras muitas vezes sentem a força dos estereótipos. Para o senso comum, mulheres devem produzir obras românticas e "leves". Aos homens são reservados os thrillers.
Sendo assim, mesmo hoje em dia não é nada incomum escritoras usarem um pseudônimo ou uma identidade "neutra" – recorrendo ao uso de iniciais – para invadir campos tidos como masculinos.
A britânica Phyllis Dorothy James, grande dama dos romances policiais, é um exemplo disso. Ela assina suas obras apenas como P.D. James. Situação semelhante ocorre com a própria J. K. Rowling. Enquanto em alguns mercados, como o alemão, ela assina suas obras com seu primeiro nome, Joanne, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no Brasil apenas suas iniciais aparecem na capa dos livros.
Na Alemanha, a autoria de romances policiais é bem dividida entre os gêneros, segundo Edgar Franzmann, porta-voz da associação de escritores Syndicate. Ele ressalta que, entre os 800 membros da associação, o número de homens e de mulheres é praticamente igual. Ele afirma desconhecer mulheres que usem pseudônimos masculinos para assinar suas obras.
Günter Butkus, diretor da editora alemã Pendragon, concorda com Franzmann e diz que pseudônimos quase não são usados no país. Mas Butkus sugere que este pode ser um recurso útil para autores que se aventuram por vários gêneros e temas.
Mais glamour
Desde 1960 editores e leitores alemães não têm qualquer problema com mulheres que escrevem romances policiais. Naquele ano, o prêmio Edgar Wallace foi dado ao romance Dead in St.Pauli, inscrito sem o nome do autor. Quando o júri descobriu que o livro havia sido escrito por uma mulher, quis evitar a entrega do dinheiro da premiação. A autora da obra, Irene Rodrian, acabou se tornando uma das figuras centrais do gênero na Alemanha.
Apesar de o sexo do autor ser cada vez menos importante, muitos continuam usando pseudônimos. Cora Stephan, que escreve como Anne Chaplet, argumenta que seu nome de batismo não tem o glamour suficiente para o gênero policial.
"O pseudônimo era importante porque eu queria que meus livros fossem um sucesso", diz a escritora. "Estava preocupada em não ser levada a sério como uma escritora de histórias policiais com meu nome verdadeiro", comenta.
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