Literatura gay resiste ao tempo
17/07/2013:
Gueórgui Manaev, Gazeta Russa
Depois dos tempos inquietantes de opressão da URSS, a publicação e distribuição de prosa e poesia de gays e lésbicas na Rússia pós-soviética aumentou significativamente. Desde os anos 1990, Depois dos tempos inquietantes de opressão da URSS, os livros com temática gay encontraram um lugar no movimento literário contemporâneo.
Livros com temática gay encontraram um lugar no movimento literário contemporâneo na Rússia Foto: ITAR-TASS
A homossexualidade sempre foi um tema recorrente na prosa e poesia. Tanto na Grécia Antiga como na China, as relações gays e lésbicas tradicionalmente existiam ao lado das heterossexuais, o que ficou refletido na literatura em Sócrates, Safo da Grécia ou “A ameixa no vaso de ouro”, um romance clássico chinês do século 17.
Na Rússia do século 19, a sociedade também era tolerante a relacionamentos de pessoas do mesmo sexo. O ex-ministro da Educação Pública, Serguêi Uvarov, conhecido de Goethe e Alexander Humboldt, não escondeu seus relacionamentos românticos com jovens, assim como o escritor prolífico Filipp Vigel, amigo de Aleksandr Púchkin.
A situação mudou no início do século 20, quando a opinião pública se voltou contra os homossexuais. O compositor Piotr Tchaikovsky, o poeta e dramaturgo Konstantin Romanov, o famoso empresário Serguêi Diaguilev e o notável poeta Mikhail Kuzmin tiveram que esconder sua natureza por medo de serem condenados em público. Kuzmin foi um dos primeiros autores russos que incorporou abertamente o tema gay em suas obras – para o choque do público. Seu romance “Asas” recebeu duras críticas entre os leitores de São Petersburgo, que esqueceram a real importância da obra tão elogiada pelo grande poeta Aleksandr Blok. Tempos depois, o poeta soviético Evguêni Evtuchenko chamou Kuzmin de “o primeiro dissidente sexual”.
No início do século 20, as relações homossexuais, então definidas como “sodomia”, passar a ser crime no Império Russo, embora as penas tenham sido raramente aplicadas. Já na União Soviética, a sodomia foi considerada crime em 1934 (cláusula 121 do Código Penal).
Desde aquela época, muitos autores e artistas russos foram condenados por sodomia e enviados para os campos de trabalho forçado. O motivo real da prisão não era a sua homossexualidade, mas a suposta atividade social contra o Estado opressor. Essa foi a história do poeta Guennádi Trifonov, que passou quatro anos em um desses campos. Por outro lado, alguns escritores e atores lutaram para permanecerem livres e manterem uma vida na União Soviética, ocultando suas preferências sexuais. Por exemplo, Evguêni Kharitonov, líder da cultura gay russa nos anos 1970. Kharitonov vivia sob vigilância do KGB, assim como muitos outros escritores e poetas alternativos. Foi essa posição à margem da lei que fez da literatura gay uma parte do vasto campo da literatura sem censura na Rússia Soviética.
“Samizdat” era a maneira clássica de distribuição de literatura sem censura, e os primeiros almanaques a publicar prosa e poesia gay, “Mitin Jurnal” e “Vavilon”, começaram em edições “samizdat” em 1984 e 1989, respectivamente, sendo estampados em versões impressas no início dos anos 1990. Ambos eram considerados almanaques alternativos, não concentrados em prosa e poesia gay, mas expondo o tema no contexto do processo literário contemporâneo.
Liberdade nova
Em 1993, a famosa cláusula 121 foi finalmente eliminada, e a “orientação sexual alternativa” foi excluída da lista de crimes. Isso deu mais segurança à publicação de literatura gay. Dmítri Kuzmin fundou a editora Argo-Risk, pelo qual relançou a “Vavilon” e introduziu a revista “Risk”, em 1995. As das publicações impressas pela Argo-Risk eram de apenas mil cópias. A editora, por sua vez, era uma empresa sem fins lucrativos, financiada com recursos próprios dos editores.
Como Kuzmin destacou no prefácio da primeira edição da “Risk”, não se tratava de “uma revista sobre homossexuais ou para gays. Nosso assunto é a situação cultural contemporânea, visto de um ponto específico, e tudo é vagamente ligado a práticas sexuais”.
Kuzmin não é apenas um escritor e crítico, mas também um empresário literário, e criou uma comunidade de autores reunidos em torno da “Vavilon” e “Risk” – muitos deles escritores gays proeminentes da nova geração, como Aleksandr Il'ianen, Vadim Kalinin, Aleksandr Anachevitch, Iaroslav Mogutin e Ksênia Marennikova. No início da década de 2000, porém, as duas revistas deixaram de existir. No total, a “Risk” teve apenas quatro edições, sendo a última em 2002, e a “Vavilon” fechou em 2003, após o lançamento da 10aedição.
Festivais literários
O final da década de 2000 testemunhou um florescer do movimento literário russo. Inúmeros festivais e leituras foram organizadas em diferentes cidades russa, de Moscou e Petersburgo a Iekaterinburgo e Kaliningrado. Em maio de 2007, as poetas peterburguenses Nastia Denisova e Nadia Diaguileva organizaram o primeiro Festival de Poesia de Amor Lésbica (FLLL).
Antes do festival, as organizadoras colocaram uma mensagem na internet, incentivando poetas lésbicas a inscreverem seus textos no festival. “Recebemos muitos trabalhos, muito mais do que esperávamos. Selecionamos poetas de diferentes cidades e até mesmo do exterior. Não tínhamos orçamento e, por isso, não podiam pagar as despesas de viagem e alguns dos nossos poetas não puderam vir para o festival”, lembra Denisova. “Nesses casos, eu ou Nadia subíamos ao palco para ler os poemas, para que as outras vozes também fossem ouvidas.”
O segundo festival foi realizado logo depois, em outubro do mesmo ano. O evento atraiu uma quantidade considerável de amantes da poesia e, após seu sucesso, um almanaque de poesia lírica lésbica, o “Le Lyu Li”, foi lançado em 2008 pela editora Kvir. O livro é composto por obras de 30 poetas lésbicas, incluindo Nastia Afansieva (vencedora do prêmio literário nacional em 2006), Alla Gorbunova, Tatiana Moseeva, Faina Grimberg e outras escritoras não profissionais para quem a publicação no almanaque foi a primeira vez na imprensa.
Movimento atual
O terceiro e último festival poesia lírica lésbica foi realizado em maio de 2008, em São Petersburgo. Em seguida, os festivais pararam, porque, segundo os organizadores, “não havia sido possível encontros novos autores interessantes, por isso será preciso esperar alguns anos". Mas Denisova admitiu recentemente que, diante da maior hostilidade contra as minorias sexuais despertadas pelo governo russo, ficou difícil e até perigoso organizar tais eventos.
Dmítri Kuzmin, que também reconhece a causa para a atual paralisação do movimento literário gay russo encontra-se na própria comunidade gay. Por ser muito pouco organizada e sem intelectuais representativos, o trabalho literário não é definitivamente uma de suas prioridades, acredita o autor.
Mesmo assim, muitos escritores gays continuam sua carreira literária de sucesso, muitos deles premiados com de o importante prêmio literário Andrei Beli. São os casos de Dmítri Kuzmin (2002) Aleksandr Il'ianen (2007) e Nikolai Kononov (2009).
GAZETA RUSSA
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