domingo, 9 de setembro de 2012

* "Passagens" conta história da literatura judaico-alemã nos séculos 19 e 20

Em seu livro "Passagens: literatura judaico-alemã entre gueto e metrópole", o escritor Luis S. Krausz abora a importância da língua alemã para o desenvolvimento da literatura judaica moderna.
O encontro da modernidade com um sistema de crença estabelecido durante a Idade Média é o tema central de Passagens: literatura judaico-alemã entre gueto e metrópole, de Luis S. Krausz. Analisando uma série de romances do século 19 e 20, de autores como Arthur Schnitzler, Aaron Bernstein e Heinrich Heine, o livro aborda como eles influenciaram o pensamento moderno entre os judeus na Europa Oriental.
Tradição e crença se chocaram com novas ideias, com transformações políticas e econômicas. Esse choque entre o tradicional e o novo ocorreu quase simultaneamente com o fato de grande parte dos judeus se tornar cidadãos de Estados nacionais, cuja base não era a religião e sim os conceitos iluministas de direitos humanos. Essa revisão de parâmetros trouxe reflexões não somente sobre aquele grupo, mas também sobre as sociedades em que viviam.

O resultado é uma literatura onde há uma duplicidade de olhar desse mundo em transição e os autores de língua alemã foram os primeiros expoentes dessa nova literatura. Dessa duplicidade nasceram o conflito, a reflexão e a idealização que confrontaram a modernidade com a nostalgia, o fantástico e a superstição.
O conflito é a base dos romance abordados em Passagens. Autores como Elias Canetti, Alfred Döblin e Joseph Roth tentaram mapear as representações do tradicionalismo no imaginário moderno e as transformações do tempo. Em conversa com a DW Brasil, o escritor Luis S. Krausz falou da importância da língua alemã para essas mudanças. 

DW Brasil: Como foi o processo de escrever Passagens: literatura judaico-alemã entre gueto e metrópole?

Luis S. Krausz: Este trabalho foi uma decorrência de um livro anterior sobre Joseph Roth, que discute em sua obra dois temas complementares: de um lado, a sólida monarquia dos Habsburgos, que representa valores verticais e transcendentes; de outro, o universo declinante das aldeias judaicas da Europa Oriental, destruídas pelo avanço da sociedade moderna e pelos massacres perpetrados a partir do fim do século 19. Ele olha em retrospecto para estes dois mundos, que foram destruídos com a Primeira Guerra Mundial.

Depois de estudar a obra de Roth, quis entender melhor as relações entre o universo da tradição judaica, de raiz medieval, e a cultura alemã do século 19. A Prússia e o Império Austro-Húngaro dominaram, durante todo o século 19, uma porção significativa da Europa Oriental. Nestas regiões havia uma população judaica numerosa que foi se integrando, gradativamente, à cultura alemã.
O Imperador José 2° da Áustria antecipou-se até mesmo à Revolução Francesa, ao promulgar, já em 1782, o chamado “Édito de Tolerância”, que tornava os judeus cidadãos de seu império. A cultura alemã tornou-se sinônimo de integração à modernidade, e símbolo de uma nova posição social para um grupo antes mantido às margens da sociedade.

Qual foi o critério para escolher os romances abordados em seu livro?

A literatura judaica em língua alemã é extremamente prolífica. Abordei uma pequena parcela e as escolhas que fiz foi resultado de indicações, do meu gosto pessoal – e também do acaso. Descobri, por exemplo, na biblioteca da casa de meus avós, um raríssimo exemplar de um livro intitulado Ein Jude, do escritor dinamarquês Aron Goldschmidt, de quem nunca tinha visto nenhuma referência.
Goldschmidt viveu no início do século 19 e foi um autor muito popular em seu tempo, e esse romance, no qual ele retrata a trajetória de uma família judaica do norte da Alemanha que parte de um vilarejo para integrar-se à vida moderna em Copenhague, aborda de forma direta e exaustiva o tema da minha pesquisa, ou seja, os conflitos e as perplexidades decorrentes do confronto entre o universo fechado da tradição judaica e as promessas grandiloquentes da modernidade oitocentista. 

A língua alemã funcionou como ponte entre a Europa Ocidental e Oriental? 

Entre o fim do século 18 e o século 19, uma população judaica numerosa foi incorporada à Prússia, ao Império Austro-Húngaro e à Polônia. Neste contexto, a língua alemã funcionava como um passaporte para a modernidade, um atalho que levava da Idade Média diretamente ao século 19.

Qual foi o critério para escolher os romances abordados em seu livro?

A literatura judaica em língua alemã é extremamente prolífica. Abordei uma pequena parcela e as escolhas que fiz foi resultado de indicações, do meu gosto pessoal – e também do acaso. Descobri, por exemplo, na biblioteca da casa de meus avós, um raríssimo exemplar de um livro intitulado Ein Jude, do escritor dinamarquês Aron Goldschmidt, de quem nunca tinha visto nenhuma referência.
Goldschmidt viveu no início do século 19 e foi um autor muito popular em seu tempo, e esse romance, no qual ele retrata a trajetória de uma família judaica do norte da Alemanha que parte de um vilarejo para integrar-se à vida moderna em Copenhague, aborda de forma direta e exaustiva o tema da minha pesquisa, ou seja, os conflitos e as perplexidades decorrentes do confronto entre o universo fechado da tradição judaica e as promessas grandiloquentes da modernidade oitocentista. 

A língua alemã funcionou como ponte entre a Europa Ocidental e Oriental? 

Entre o fim do século 18 e o século 19, uma população judaica numerosa foi incorporada à Prússia, ao Império Austro-Húngaro e à Polônia. Neste contexto, a língua alemã funcionava como um passaporte para a modernidade, um atalho que levava da Idade Média diretamente ao século 19.

Ao mesmo tempo em muitas cidades alemãs ocidentais, como em Frankfurt, por exemplo, os judeus já viviam há séculos, mas em bairros separados, chamados de guetos. Com a chegada das tropas de Napoleão Bonaparte, arrancaram-se as grades e os muros que mantinham os judeus separados dos cristãos. E também é preciso lembrar que o iídiche, falado pelos judeus na Europa Oriental, é baseado no alemão medieval, que os antepassados levaram quando foram expulsos da Alemanha para a Polônia, na Idade Média.

A filosofia também teve um papel importante nessas mudanças? 

Acredito que a literatura tenha funcionado, para uma população que se encontrava em meio a um processo de transformação radical de suas condições de vida, como um espaço de representação e de discussão das grandes questões decorrentes da mudança dos guetos e dos vilarejos para as metrópoles. A grande criatividade literária que se observa no mundo judaico de língua alemã do século 19 e do início do século 20 decorre das múltiplas perplexidades geradas por esta passagem.
Ao mesmo tempo, os leitores buscavam, em contos, novelas e romances, representações literárias de sua situação paradoxal – e talvez também respostas para questões que os atormentavam. Assim, creio que a literatura tenha sido mais importante do que a filosofia neste sentido, pois a filosofia necessariamente dirige-se a uma minoria de eruditos, enquanto a literatura tem um espectro de leitores bem mais amplo – e consequentemente exerce uma influência social maior e mais imediata.

A popularização do livro está diretamente atrelada a esse processo?

Sem dúvida, o livro foi o instrumento por excelência para a divulgação de um ideário moderno baseado nos princípios iluministas entre os judeus da Europa Oriental, que viviam sob o signo de crenças religiosas cristalizadas durante a Idade Média. 

Como é hoje a relação entre a cultura judaica e da língua alemã?

Hoje, na Alemanha, vive uma comunidade judaica bastante numerosa. Porém, sua origem é, na grande maioria dos casos, a antiga União Soviética. Este grupo tem uma história e uma cultura que são totalmente diferentes dos judeus alemães e austríacos de antes do Holocausto, que viviam uma espécie de simbiose cultural judaico-alemã. 

Autor: Marco Sanchez
Revisão: Carlos Albuquerque


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