terça-feira, 6 de agosto de 2013

* Uma sensibilidade pop na literatura

Relançamentos no país provocam reflexões sobre as ideias de Nick Hornby


THIAGO PEREIRA

“O que veio primeiro: a música ou a tristeza? Eu escuto música porque eu sou triste? Ou eu sou triste porque escuto música? Todos esses discos te transformam em uma pessoa melancólica?” Talvez a maneira mais fácil de se decifrar o escritor britânico Nick Hornby seja citar frases de seus livros. Muitas delas, memoráveis, estão espalhadas nas duas obras que acabam de ser relançadas no Brasil pela Companhia das Letras: a estreia “Febre de Bola” e o sucesso “Alta Fidelidade” guardam as chaves para explicar seu alcance com um público específico: fãs de cultura pop.


Hornby é um dos poucos autores contemporâneos que conseguiram, em uma vasta coleção de personagens, alcançar uma espécie de consciência pop de muitos leitores, dos anos 1990 para cá. Sujeito pouco afeito a aparições e ao circo midiático (a reportagem tentou falar com ele, mas não conseguiu), curiosamente, é através de extratos dessa mesma seara midiática, em um recorte que podemos chamar de cultura pop, que ele encontrou sua marca autoral, o ritmo de seus romances e ensaios. A construção do sensível (especialmente o masculino, apesar de uma ótima galeria de personagens femininos) no autor britânico é modulada por lições aprendidas nos discos de pop e rock, na paixão pelo clube de futebol, nos personagens clássicos do cinema, nos diálogos sagazes das séries de televisão.

“Acho que os livros – muito particularmente os dois reeditados – criam em torno de si comunidades de leitores que, no meu modo de ver, nem são leitores assíduos de literatura”, acredita Christian Schwartz, tradutor das duas obras. “Até leem, aqui e ali, algum romance na vida – mas, com Hornby, vale mais o interesse temático por música pop e/ou futebol. Acho que a chave é a linguagem: ao mesmo tempo que original, é próxima do leitor; ainda que claramente romanesca, ‘conversa’ com cinema e teatro”, sintetiza.

Universal. Trata-se de uma linguagem universal, própria de um mundo que se conecta, através da mídia, a um cardápio muito parecido de produtos culturais. Tanto que, para Schwartz, a maior dificuldade de traduzir Hornby é justamente as especificidades linguísticas entre um brasileiro e um britânico. “Difícil é ter a medida do português brasileiro coloquial contemporâneo que corresponda à linguagem dos livros. Tem menos a ver com o gosto musical do personagem (ou o fanatismo por futebol do autor), penso, do que com uma certa ‘fala’, ainda que por escrito, comum a gente de faixa etária jovem – mas nem tanto: Rob, por exemplo, caminha pra meia-idade – e de classe média”.

A ideia de uma comunidade de leitores faz muito sentido em relação à obra de Hornby, especialmente no caso de “Alta Fidelidade”. O personagem principal do livro, o trintão Rob Fleming, dono de uma loja de discos pouco badalada, acaba de terminar um relacionamento com Laura, o que se torna um mote para ele analisar, através de uma overdose de referências à cultura pop, o estado da sua vida como um todo. Junto com seus dois empregados na loja, passa o dia a ranquear (os “top five”) músicas, filmes, livros, e relacionamentos que importaram em suas trajetórias.

“É um romance geracional, daqueles que retratam um grupo de pessoas em uma determinada época, neste caso, o decantado fim das lojas de discos (que, no fim, não acabaram, e estão cada vez mais vivas), a valorização de certa honestidade em artistas, a elevação de listas ‘top alguma coisa’ à categoria de arte”, atesta Marcelo Costa, editor do site de cultura pop Scream & Yell. “O que você consome diz muito sobre quem você é, e Nick Hornby percebeu isso naquele momento olhando homens que se recusam a envelhecer como manda o figurino”, diz.

Para Márcio Serelle, professor da PUC.Minas e doutor em história e teoria literária, o maior mérito da obra de Hornby “está justamente nos momentos em que o pop falha, pois, evidentemente, em uma canção de Bruce Springsteen ou em um ‘top five’, não estão todas as escolhas possíveis e demandadas pela vida adulta, ainda que o narrador não se dê, a princípio, conta disso. Mas a cultura pop, mesmo nos romances do escritor (que são, sem dúvida, um elogio a ela), é, também, a dos tipos infantilizados, ‘estacionados’, ‘congelados’ – para usarmos alguns termos recorrentes nessa ficção”.Como Hornby escreve em “Alta Fidelidade”: “Não é nenhuma surpresa o fato de sermos tão confusos, não é? Somos como Tom Hanks em ‘Big’. Pequenos garotos e garotas presos em corpos adultos, e forçados a lidar com isso”.

Outra questão fundamental à obra de Hornby, segundo Serelle, é a “integração mais contemporânea da literatura à cultura popular. Ela se contrapõe, na literatura, ao academicismo, desconsiderando as clivagens entre alta e baixa culturas”. Realmente Hornby é um autor “consumível”, de textos sem a opacidade muitas vezes exigida na ‘grande’ literatura. “A primeira coisa que me chamou a atenção foi a união de duas coisas que admiro bastante: relacionamentos e cultura pop”, diz Costa. “A forma com que Hornby chocava estes dois temas também era uma crítica a um certo esnobismo cultural que circulava – e circula muito ainda hoje – na época. Afinal, como uma pessoa pode ser legal, se não conhecer Beatles?”, ri Costa.

Top Five
Cinco melhores personagens das obras de Nick Hornby, segundo o jornalista Marcelo Costa

1) Will Freeman, de “Um Grande Garoto”

2) Rob Fleming, de “Alta Fidelidade”

3) Duncan, de “Juliet, Nua e Crua”

4) Katie Carr, de “Como Ser Legal”

5) Nick Hornby, de “Febre de Bola”
Fora das páginas
As duas
 obras reeditadas neste ano de Nick Hornby foram adaptadas para outras mídias. “Alta Fidelidade” ganhou uma bem-sucedida versão cinematográfica em 2000, dirigida por Stephen Frears, com John Cusack assumindo o papel de Rob Fleming – que, aliás, vira Rob Gordon no filme. A película também levou a história para os EUA, diferentemente do livro, que se passa em Londres.

A obra também ganhou adaptação para o teatro no Brasil. Dirigida por Felipe Hirsch, “A Vida É Cheia de Som e Fúria”, trouxe o ator Guilherme Webber no papel do protagonista.

“Febre de Bola” ganhou duas versões cinematográficas. A primeira, com roteiro do próprio Hornby, é uma produção britânica de 1997, dirigida por David Evans. A segunda, bem menos inspirada, é “Amor em Jogo”, dirigido por Bobby Farrelly e Peter Farrelly, de 2005.

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