domingo, 28 de julho de 2013

* Obra de Osman Lins ainda precisa ser mais lida



ESQUECIDO

Escritor pernambucano deixou muitos autores influenciados pela sua obra; as homenagens a Avalovara neste ano tem sido tímidas

Publicado em 28/07/2013, às 05h44

Osman Lins foi referência para nomes como Raimundo Carrero, Milton Hatoum e Marcelino Freire / Reprodução

Osman Lins foi referência para nomes como Raimundo Carrero, Milton Hatoum e Marcelino Freire

Reprodução


Não é só Avalovara que não tem o destaque que merece: a obra de Osman Lins como um todo ainda precisa ter sua importância avaliada, principalmente romances como Nove, novena e A rainha dos cárceres da Grécia – a exceção honrosa é a peça Lisbela e o prisioneiro, que foi adaptada para o cinema com grande sucesso de público. Para o professor de Letras Fábio Andrade, a questão é ainda mais grave. “Falta ainda um reconhecimento de toda obra dele, tanto da prosa como do pensamento crítico”, aponta.
Para Lourival Holanda, também acadêmico, é difícil pensar em autor escritor da dimensão de Osman que tenha aparecido em Pernambuco desde então. “Por que Raduan Nassar não nasceu por aqui?”, lamenta. “Muitos escrevem, poucos bem; quase ninguém fez da escrita uma profissão de fé, feito Osman. A estética literária dele é também uma ética; reordenar, na frase, o mundo”.
Ele identifica, no entanto, leitores atentos da obra de Osman no Brasil, como Milton Hatoum, Marcelino Freire e o próprio colega Fábio Andrade. Fábio confessa a referência. “Eu estou tentando tirar essa influência osmaniana da minha prosa. Meu primeiro romance, que estou preparando agora, é uma desconstrução”, revela. “Não deixa de ser uma marca da importância de Osman para mim: ter que assassinar um pai literário é algo muito simbólico”.
O escritor Raimundo Carrero também foi marcado pela obra do vitoriense. “Quando li Osman, eu modifiquei toda a minha maneira de escrever”, expõe. “Ele é um autor notável que tinha uma compreensão absoluta do romance como uma sinfonia, que é o que até hoje eu levo para as minhas obras. Ele não conta uma história, mas sim as atravessa com os sons, com a luz”.
Para Carrero, é importante enxergar os 40 anos de Avalovara como um momento perfeito para tirar Osman do esquecimento do público e da crítica. Uma mesa no Festival Internacional deste ano abordou a proximidade entre o grupo OuLiPo e o autor pernambucano, mas outras homenagens oficiais ainda não foram anunciadas – em 2014, ainda serão celebrados os 90 anos de nascimento de Osman. Fábio, no entanto, adianta que está tentando organizar com Lourival Holanda um colóquio sobre a obra do pernambucano para comemorar a efeméride em setembro.


Os 40 anos da espiral literária de Avalovara, de Osman Lins

Obra, uma das mais importantes da prosa brasileira, tem estrutura complexa e inovadora, mas é pouco celebrada atualmente

Publicado em 28/07/2013, às 05h44

Osman Lins construiu sua principal obra a partir do complexo jogo de um espiral com um quadrado / Reprodução

Osman Lins construiu sua principal obra a partir do complexo jogo de um espiral com um quadrado

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Nascer um prosador em uma terra de poetas iria marcar a ironia da obra do escritor vitoriense Osman Lins (1924-1978), talvez o maior nome da literatura pernambucana depois de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Nome reconhecido pela crítica internacional, o criador de obras como Nove, novena ainda hoje é pouco lido na sua própria terra, quase ignorado por novas gerações. No ano que sua maior obra-prima, Avalovara, completa 40 anos do seu lançamento, o incômodo é ainda maior: continuamos a desviar os olhos de uma das prosas mais fortes já produzidas no Brasil.
É só pensar no próprio Avalovara – o ponto principal de equilíbrio entre o seu experimentalismo formal e a preocupação com as questões humanas – para entender a revolução que a obra significa. O romance traz o personagem Abel e a história de três mulheres de sua vida, relacionadas a cidades como Recife, São Paulo, Amsterdã e Roma Antiga, e tem figuras singulares, como o pássaro feito de pássaros que nomeia a obra.
A trama parece simples ou, ao menos, não tão radical assim. É a sua união a experiência (mais do que experimento) radical de narrativa que faz deAvalovara o romance que o argentino Julio Cortázar disse que, se tivesse escrito, passaria 20 anos sem tentar criar outra obra. A partir do palíndromo em latim “sator arepo tenet opera rotas” (com vários sentidos, sendo um deles algo como “o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita”), ele cria uma narrativa que funciona a partir da inscrição de um espiral em um quadrado, que possibilita inúmeras leituras das frase.
Essa estrutura não é um detalhe. Como aponta a professora de Letras Leny da Costa Gomes, da Universidade de Brasília, o próprio Osman ressalta o papel dessa organização no romance: “Quando, em Avalovara, me ocupo do romance, da organização do romance, ocupo-me do mundo, da transição do caos ao cosmos”. Segundo ela, a obra reflete essa busca pela ordenação do caos. “Esse processo de organização, que é de contínua interação, também gera a dispersão, formando um movimento espiralado; portanto, aberto, sem início nem fim”, defende.
Avalovara foi lançado dez anos depois de o de outro romance de forma radical:O jogo da amarelinha, de Cortázar, que traz vários caminhos de leitura. “Em um certo sentido, Avalovara é até mais ambicioso. O romance é um ápice de uma obra que, desde o início, conseguiu unir experimentalismo formal com uma atenção às questões humanas fundamentais. Ele é sobre grandes temas, como a incomunicabilidade e o papel do amor e da morte”, aponta o poeta e professor da UFPE Fábio Andrade, que fez sua dissertação de mestrado sobre a obra.
Para o pesquisador, no entanto, a semelhança entre os livros se limita a essa invenção formal. “Na escrita em si, eu vejo diferenças. Cortázar tem uma linguagem que corre; Osman tem uma prosa estacada, mais pontual”, descreve.
“Eu diria que a estrutura de Avalovara é como uma jaula dentro da qual se movem animais selvagens. Inquietude, angústia, desespero, tudo o que faz parte da nossa condição. (...) Não há nada obscuro em Avalovara. É como se eu tentasse transmitir com a maior
”Osman Lins, escritor, em entrevista
Um dos maiores críticos literários brasileiros, Antônio Cândido se rendeu ao livro. “O que desde logo prende em Avalovara é a poderosa coexistência da deliberação e da fantasia, do calculado e do imprevisto, tanto no plano quanto na execução de cada parte”. Desde esse depoimento, no prefácio do livro, o romance publicado há 40 anos mostra que não se sustenta apenas pela estrutura: há uma invenção na narrativa e na linguagem também.
O professor da UFPE Lourival Holanda, organizador de três volumes de contos de Osman Lins, destaca também o controle da linguagem do autor, um “romântico com cabresto”. Para ele, a modernidade de Osman vem daí e, apesar de alguma semelhanças com os jogos e as restrições que movimentavam os autores do grupo OuLiPo, como Georges Perec e Raymond Queneau, vai além. O pernambucano, ele ressalta, “tem uma atitude crítica com relação á linguagem; não ‘cede’ à expressão: antes, luta com ela”. “Nove, novena eAvalovara são os dois momentos mais altos da produção dele”, afirma.
O escritor pernambucano Raimundo Carrero entende que a obra pertence a um cânone privilegiado da literatura. “Avalovara é um livro maior não para o Brasil, mas para a humanidade. É do tamanho de Grande sertão: veredasDom Casmurro e O romance d’a Pedra do Reino”, define. Fábio Andrade lembra que, quando o livro foi lançado na França, foi considerado um dos três ou quatro melhores traduzidos na década.
Por aqui, ele ressalta, apesar de Avalovara ter sido considerado “difícil” pela crítica, foi um dos livros mais vendidos do Brasil em 1973, quando foi lançado. O reconhecimento veio por nomes grandes da crítica literária da época, como Antônio Cândido e João Alexandre Barbosa, mas o romance também foi muito incompreendido. “Queriam encontrar em Avalovara um livro explicitamente contra a ditadura, mas ele era muito mais do que isso”, diz o pesquisador.
Um dos fatos que mostra Avalovara como uma obra viva é o projeto Uma rede no ar – Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins. Na página, é possível acompanhar vários percursos da principal narrativa de Osman. Segundo a professora Leny da Costa Gomes, um dos nomes a frente do projeto, a proposta era fazer um levantamento dos elementos arquitetônicos, artísticos e intertextuais da obra. “A ideia era transformar os dados em um sistema hipertextual, que possibilitasse a navegação por links em contínuo processo de alimentação, que poderia ser feito pelos leitores”, conta.
O que impede uma maior circulação do romance hoje, para Fábio, é a falta de textos críticos e professores capacitados.“O valor do romance assusta um pouco, exige que quem se aproxime dele se comprometa. Não dá para fazer uma leitura acadêmica rasa”, atesta o pesquisador. A experiência de leitura deAvalovara continua disponível, 40 anos depois, para quem quiser mergulhar nos seus abismos.


LANÇAMENTO

Última novela escrita por Osman Lins ganha edição em livro

Em edição trilíngue, a narrativa traz uma enredo sombrio e quase premonitório sobre o autor, que morreria no mesmo ano de sua publicação

Publicado em 28/07/2013, às 05h44


Uma das raras novidades editoriais da produção de Osman Lins neste ano é o lançamento de uma edição trilíngue do seu último texto, a novelaDomingo de Páscoa, escrita em 1978 e publicada na revista Status. A narrativa, antes inédita em livro, sai pela Editora UFSC, com organização de Ana Luiza Andrade, pesquisadora da obra do autor. Além do texto original, o volume conta com artigos crítico da viúva do escritor, Julieta de Godoy Ladeira, já falecida, de Ana Luiza e de Fred P. Ellison, todos vertidos também para o espanhol e o inglês.
“Trata-se de uma ‘novela’ enigmática em seus questionamentos. E parece-me que ele se interroga novamente sobre o seu ofício na conjuntura cultural que o cercava então, iluminando criticamente o caminho da arte no mundo atual”, opina a organizadora. A narrativa se passa em uma praia do Espírito Santo, inspirada em uma viagem do próprio autor com Julieta. No texto, um enfermeiro particular acompanha sua paciente em um tratamento nas terras curativas da região, enquanto observa a figura de um estrangeiro misterioso e sente o espectro da morte ao redor do seu hotel.
No prefácio da novela, Julieta destaca como a narrativa parece ter sido um presságio do futuro do autor pernambucano – principalmente porque ele morreria no ano da sua publicação. “Poucos escritores se deram tanto e tão profundamente à sua arte a esse ponto, o de um envolvimento em que de certo modo os fatos literários, criados através de uma busca tão intensa, de tão grande entrega, fossem em alguns casos se cumprindo, depois, na realidade vivida pelo autor”, afirma a escritora. A metáfora de um homem acometido até mesmo fisicamente pela própria literatura é perfeita para Osman, que parece ter vivido fora das palavras.
Leia um trecho de Domingo de Páscoa:
As longas tábuas ensolaradas do piso cheiram a cedro e cera. Vem do banheiro esse perfume que sentimos ao atravessar um pinheiral e o ar marítimo agita as cortinas florosas em ondas lentas como que se desfazem lá embaixo, inaudíveis, molhando a exígua praia ainda fresca e os pés dos velhos. Eles desfilam, quase sempre aos pares, os cotovelos um pouco levantados, ou sentam-se no chão, pernas estendidas, cobrem as juntas com a areia negra e com a argila viscoca, ocre, sempre renovada pelo mar. Somadas, suas idades espantam, eles em conjunto um ancião monstruoso, várias vezes milenar, observando furtivos, com nostalgia, cobiça e vontade de cuspir, meu torso musculoso, meus inconcebíveis quarenta e quatro anos. Fragrâncias de loções, de pós e de cremes de beleza mesclam-se ao pérfido aroma do assoalho, infestado do ruflar de asas e de escamas deslizando: espectros de pássaros e de répteis. Só uma hóspede, o corpo lustroso de óleo, se expõe ao sol junto à piscina, numa cadeira reclinável.


Leia o texto na íntegra no Jornal do Commercio deste domingo (28/7)

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