domingo, 28 de julho de 2013

* Violência e manipulação da Mìdia na visita do Papa

Teatro da Crueldade na Marcha das Vadias é performance política

Por , 28/07/2013 16:30

Foto: Midia NINJA
Foto: Midia NINJA
Como se constrói a opinião pública. O Jornal Nacional mostrou ontem uma  cena em que homens nus quebram a imagem de Nossa Senhora  e crucifixos durante a Marcha das Vadias provocando indignação de muitos.
O Jornal Nacional poderia ter dado destaque para o movimento ‘Católicas pelo Direito de Decidir’, que são pró-aborto ou qualquer outra imagem do carnaval politico que é a Marcha. Mas preferiu destacar uma imagem que demoniza ainda mais um movimento muito diverso, em que todas as pautas da cidade apareceram de forma critica, irônica e festiva.
O ato performático e teatral da destruição de símbolos da igreja faz uma referência direta aos atos de intolerância dos membros das igrejas que cotidianamente invadem e depredam terreiros de candomblé,  quebram imagens,  demonizam e criminalizam homossexuais, matam travestis, criminalizam o aborto e as mulheres lésbicas, entre outras afrontas e violências concretas. 
A lógica do JN é a mesma que transforma os atos de ataque simbólico dos blac block e de muitos outros manifestantes contra signos de monetização da vida e assujeitamento da vida a lógica do capital (seja a placa da Coca-Cola, os símbolos dos Bancos, ou das corporações de midia etc.) em “crime contra o patrimônio” ou “vandalismo”. O teatro e  a performance violenta e didática das Marcha das Vadias, alguns dos atos que ocorrem nas manifestações fazem parte de uma batalha estética e política.
O teatro da crueldade, a pedagogia da violência  são as armas dos que sofrem na pele e lutam por mais direitos e liberdade. Não vamos demonizar nem criminalizar pelo avesso.  Entre os cartazes da Marcha muitos empunhavam a obra de Marcia X dos pênis desenhados com terços e que foi proibida de ser exposta no Rio. É a mesma luta por expressar mundos.
Pessoalmente, acho essa imagem do Papa com a Policia de Choque muito mais violenta simbolicamente do que tudo que vi na Marcha das Vadias, já que estamos reivindicando um Estado laico.

Quebrar santos: liberdade religiosa e outros elefantes brancos

Por , 28/07/2013 16:10
Protesto na Marcha das Vadias, RJ. Foto: Marcelo Tasso
Protesto na Marcha das Vadias, RJ. Foto: Marcelo Tasso
Por Juno, em Incandescência
Linguagem é poder. Não agora no sentido de que palavras ofensivas podem ser usadas como forma de violência, ataque e opressão, mas no sentido de que as formas de poder exercem sua influência em cima da linguagem, e são capazes de, gradativamente, fazê-la caber em moldes que atendem a específicas formas de produzir e reproduzir seu poder. Por exemplo, vamos falar sobre a palavra “democracia”.
O Capital imprime os dicionários
Democracia seria uma sociedade governada pelo povo, isto é, onde o povo exerce o poder. Nós costumamos chamar a nossa sociedade de “democracia”, mas ela não é uma sociedade onde o povo exerce o poder. Pelo contrário, ela é uma sociedade onde o povo está esmagadoramente subordinado a interesses específicos do Capital, do Estado, e de inúmeras instituições que retém poder através de estruturas específicas. Uma delas é a Igreja. Uma democracia precisa, mais do que ter uma definição, produzir certos efeitos. Não basta que vivamos em algo definido como uma democracia, é necessário que enxerguemos que efeitos essa democracia produz. Se existem instituições extremamente poderosas, cujos interesses passam por cima dos interesses da população de forma velada, se existe a necessidade de que as pessoas se mobilizem e incendeiem ônibus e destruam bancos, e juntem-se às dezenas de milhares nas ruas, pra que o poder atenda a suas demandas, então não estamos produzindo os efeitos de uma democracia, onde em tese esses interesses das pessoas seriam atendidos justamente porque elas estão no poder.
A linguagem propõe, portanto, uma determinada definição de democracia que, em si, nos convence de que o povo estar no poder significa a situação atual. O povo estar no poder significa o povo votar. E, portanto, já estamos na situação ideal. Essa concepção é o que podemos descrever como uma concepção ideológica da democracia, em oposição à sua concepção crítica.
Uma determinada ideia de sociedade precisa ser passada às pessoas, e a linguagem tem um papel ideológico fundamental aqui ao, munida da ideia pura de “democracia” (uma sociedade onde o povo manda), descreve a nossa realidade atual como sendo uma “democracia”, e repetidamente nos ensina que vivemos numa “democracia”. Contudo, esse significado (“sociedade onde o povo exerce o poder”) não necessariamente condiz com a realidade material, e ainda assim nós a descrevemos como tal.
Estabelecido que nós cremos que a democracia é algo bom (e é), então descreve-se a situação atual do governo como sendo a democracia. O resultado é a sensação generalizada de que nós vivemos num bom sistema de governo, e que os problemas não são sistemáticos, mas somente precisamos trocar quem ocupa os cargos políticos, que partido está no poder, quantos impostos cobraremos, quanta liberdade econômica daremos, entre outras medidas infinitamente reformistas.
A democracia, capturada desta forma, é colocada sempre em oposição a conceitos como “ditadura”, “totalitarismo” e, conforme bem sucedido seja o sistema em capturar essa palavra, ele conseguirá opor os esforços anticapitalistas à própria ideia de democracia. Nos Estados Unidos, por exemplo, “comunismo” é algo que imediatamente se entende como algo totalitário, privador de liberdade, opressivo, e anti-democrático. Em nome destas noções, os EUA empregam políticas imperialistas pelo mundo, levando a “democracia” para os países, e retirando certos governos para colocar em seu lugar governos fantoches que atendem aos interesses estadunidenses. A justificativa? “Levar a democracia” para o país. Novamente, o conceito serve para justificar atitudes atrozes, que não seriam definidas como “democráticas” se estivéssemos entendendo tudo isto como o poder do povo, pelo povo, para o povo.
Liberdade religiosa pra quem?
A ideia de democracia, portanto, é evocada pelo opressor para justificar e para se utilizar do poder sobre as pessoas às quais ele ensinou uma certa ideia de democracia que é útil para ele, e não para elas. Exatamente o mesmo acontecerá com a liberdade religiosa, um conceito utilizado para oprimir e não para proteger. A ideia de que a liberdade religiosa é algo garantido pelo Estado necessariamente significa que a liberdade religiosa é algo que nos é dado, e não algo que nós temos. Certamente, minha intenção não é dizer que esse direito deveria ser tirado da gente amanhã de manhã, mas que é preciso percebermos como é insatisfatório que o modelo pelo qual temos liberdade religiosa é um modelo estatal, e como talvez fosse mais desejoso olhar para a raiz daquilo que nos tira liberdade religiosa, e tentar garanti-la de si mesma ao invés de partindo de um Estado capitalista, racista, misógino e heterossexista. Em suma, o direito à liberdade religiosa advinda do Estado é um modelo que depende da garantia do direito pelo mesmo poder que o retira. Se a liberdade religiosa é dada, significa que alguém a tem, e que esse alguém nos dá. Isto é, significa que nós não a temos. Em um sistema racista como o nosso, “liberdade religiosa” significa que a polícia invadirá o terreiro de candomblé como bem entender necessário. Em um sistema heterossexista, “liberdade religiosa” significa a bancada evangélica no congresso legislando ativamente contra os direitos das pessoas sexodiversas. Em um sistema patriarcal, “liberdade religiosa” significa uma campanha católica contra os direitos reprodutivos das mulheres financiada pelo Estado. Não existe liberdade religiosa sem laicismo, mas também não existe laicismo sem ruptura. Aparentemente, nós parecemos entender que o que desejamos é um “Estado laico”, um Estado que nos garanta direito para todas as religiões e que não legisle em favor de nenhuma delas.
Bem, é claro que isso é benéfico, e que é melhor do que um Estado vendido aos interesses de religiões e que legisla por elas e para elas, mas o que significa que queiramos meramente formar esta relação, ao invés de perceber radicalmente o que exatamente torna o Estado não-laico? As forças conservadoras que influenciam o processo supostamente democrático do Estado estarão lá se ele ainda for laico? O interesse desse sistema de democracia representativa ainda vai ser atender às demandas de grupos conservadores se o estado for laico? O aborto ainda vai ser tratado como uma questão periférica se o estado for laico? Talvez “laico” seja uma promessa que, de duas uma, se cumprirá com a ruptura com a religião institucionalizada, que detém poder e faz política contra as pessoas, ou com a ruptura do próprio modelo estatal onde a “liberdade” de fazer campanha contra o aborto é uma “liberdade religiosa”, mas a de fazer ritos religiosos de matriz africana não é. Ao falarmos de liberdade religiosa, sempre se fala muito sobre como pessoas sexodiversas malvadas estão calando pobres pastores evangélicos, falamos muito sobre como é feio e ofensivo quebrar estátuas de santos, como aconteceu na Marcha das Vadias do Rio de Janeiro, mas ninguém fala sobre a liberdade religiosa ser o próprio alicerce sobre o qual se constrói a ideia de que alguém pode fazer campanha contra essas mulheres.
Meu ponto não é, portanto, que não devemos ter liberdade religiosa, ou que o Estado não deva garantir este direito por enquanto, mas que precisamos perceber como o discurso da liberdade religiosa será sempre evocado para defender quem está no poder, e para calar quem o poder está oprimindo. Quem articula e quem garante que liberdade religiosa seja uma mulher não poder destruir um símbolo sacro da Igreja Católica é a mesma pessoa que defende e garante que liberdade religiosa é um homem cisgênero e heterossexual poder fazer campanha pelo Brasil contra os direitos reprodutivos das mulheres e das pessoas sexodiversas. Não é no mínimo curioso que liberdade religiosa seja, ao mesmo tempo, a liberdade de oprimir e a liberdade de calar quem está sofrendo a opressão? Não é no mínimo engraçado que, ao mesmo tempo, a liberdade religiosa seja a capacidade da Igreja de se organizar para atacar nossos direitos, e a liberdade dela não ser contestada por nós? É preciso questionar o que essa liberdade religiosa é atualmente, se é assim mesmo que a queremos, e se é do Estado que queremos que ela parta.
A revolução não será agradável
Sinto avisar às pessoas desavisadas, mas a revolução não será bonitinha. Ela não prestará respeitos baseados em falsas equivalências, como a de supor que uma mulher quebrando os símbolos de uma instituição que ativamente a oprime há mais de mil anos tem o mesmo peso dessa opressão, de forma que a reação desta mulher desqualifica a sua luta por direitos. A revolução não será vestida, não será feita de beijos heterossexuais, limpinhos e cisgêneros. A revolução não será pacífica, sem quebrar nenhuma porta de banco ou retrovisor de carro . Ela não será comedida, submissa, com medo da Igreja Católica e dos inúmeros empreendimentos evangélicos do país. A revolução não será composta somente de homens de terno e mulheres submissas ajustando o nó das suas gravatas. E justamente por isso, porque estes atos subversivos são o que criam e avançam uma cultura revolucionária de contestação urgente ao poder, é que a cada passo a frente que dermos na direção de sermos livres, alguém chorará as suas pitangas: revolução sim, mas façamos uma revolução para conservador ver.
A Igreja Católica, e grande parte das igrejas evangélicas, são instituições reacionárias, que ativamente perseguem os direitos de pessoas, ativamente avançam uma agenda conservadora de privação de seus direitos, e que estão interessadas em reter dinheiro e de exercer influência conservadora contra os direitos de mulheres, pessoas sexodiversas e do povo de santo. Estas igrejas são forças opressivas e organizadas contra as minorias, e isso significa que são o inimigo. É preciso ter isso claro e parar de fazer rodeios em volta da “liberdade religiosa”. Formas de organização política que ativamente atacam os direitos de minorias não são meramente uma “religião” a ser protegida, porque opressão não é liberdade. Neste sentido, qualquer tentativa de dizer a uma pessoa pertencente a essas minorias que a sua reação em quebrar os símbolos da igreja é injustificada é uma afirmação leviana e ingênua, que ignora um contexto mundial e milenar de opressão.
É claro que devemos ter liberdade religiosa e que as pessoas devem poder fazer seus ritos com liberdade. Mas até que ponto essa “liberdade religiosa” está sendo utilizada para capitalizar a fé das pessoas, e para fazer campanha contra os direitos do povo? Até que ponto essa falsa liberdade religiosa não está sendo utilizada para defender interesses específicos de grupos específicos? Até que ponto essa falsa liberdade religiosa não é meramente um escudo para calar as contestações contundentes a instituições de poder e opressão?
É preciso fazer rupturas. E isso significa atitudes radicais e claras de contestação, subversão, reação. É preciso quebrar silêncios e afrontar o poder. O fato é que o conservadorismo quer uma marcha de mulheres vestidas, que não se beijem, que não quebrem imagens, que não façam nada. Esta forma de controle e silenciamento está permeada de antifeminismo e, como tal, é uma expressão de misoginia. Assim acontecerá com quaisquer atitudes de protesto dentro de uma sociedade conservadora: qualquer atitude que fuja às expectativas reformistas e liberais será taxada de desnecessária. Existe um esforço conservador para podar certas formas específicas de protesto, e certos alvos específicos de ataque. Por que?
Sinto informar às pessoas desavisadas, mas a Igreja ainda é o inimigo. A Igreja Católica e muitas igrejas evangélicas são instituições de organização política pelo avanço de causas conservadoras e pela acumulação de capital. É passada a hora de parar de tratá-las como instituições neutras de “religião” como se essa fosse sua única atividade, e, desta forma, significa parar de calar-se diante de tudo o que fazem em nome da “liberdade religiosa” que elas têm. Estas igrejas são um esforço organizado contra os direitos das mulheres, das pessoas não-heterossexuais e das pessoas trans*.
Até que ponto podemos dizer que o caráter político das igrejas está desvinculado de seu caráter religioso? Se pudéssemos dizer que está, então seria cabível dizer que a fé professada, o rito religioso, é indiferente, mas que a organização política reacionária não é. Se não — se a política feita pelas igrejas e a fé que elas ensinam é, essencialmente, a mesma coisa, e avança a mesma visão — podemos então dizer que a fé é parte integral da justificação que move as pessoas ao redor deste movimento reacionário , e é propriamente a forma de articulação destes valores conservadores.
Enxergar isto da ótica de quem separa as duas coisas oferece capacidades diplomáticas ótimas para combater a igreja preservando o sentimento democrático-reformista de “liberdade religiosa”, a segunda possibilidade, a de que talvez a religião e a política sejam essencialmente a mesma coisa, oferece a capacidade de nomear o opressor sem receio, e de combater alguém que de fato nos está atacando há muito, muito tempo. Isso significa combater pessoas, indivíduos religiosos? Não. Isso significa contextualizar e fazer firme oposição às igrejas conservadoras, seus líderes, seus eventos, suas imagens.
Existe algo para temer na liberdade religiosa. As mulheres, as pessoas sexodiversas, as pessoas negras têm motivos para temer a liberdade religiosa. Por quê? Não deveria este ser um motivo para que todo mundo se sentisse na proteção de poder professar uma fé? Por que eu tenho medo da liberdade religiosa das outras pessoas? Por que só as religiões das pessoas brancas conseguem gozar da sua liberdade religiosa?  Por que a liberdade religiosa de uma pessoa cristã se estende até ela estar ativamente oprimindo outros grupos, mas o povo de santo continua a ter seus terreiros invadidos? Quem realmente tem liberdade religiosa? Por que a habilidade de uma instituição em distribuir cartilhas que ensinam as pessoas a serem heterossexistas, cissexistas e machistas é tratada como uma expressão de “liberdade”? Até quando o discurso da liberdade religiosa servirá para acobertar uma liberdade que nada tem a ver com religião, e sim com o avanço de uma agenda política heterossexista, transfóbica e misógina?
-
Grifos da autora.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Vanessa Rodrigues.

Nenhum comentário:

Postar um comentário